Cidade

Visita dos Duques de Coimbra à autarquia local provoca indignação republicana

Frederico Duarte Carvalho | 1 ano atrás em 08-12-2023

Os Duques de Coimbra foram recebidos na autarquia pelo presidente José Manuel Silva e isso provocou polémica nas redes sociais. Mas afinal, de onde vem o título de Duque de Coimbra e o motivo pelo qual, ainda hoje, o deveríamos recordar? Ajudamos a perceber.

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No passado dia 4 de dezembro, data em que o ex-presidente da República, Cavaco Silva, criticou as contas do país e o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de sousa, explicou o seu envolvimento numa alegada cunha referente ao tratamento milionário de gémeas luso-brasileiras num hospital público, o presidente da Câmara de Coimbra recebeu os Duques de Coimbra nos espaços da autarquia. E isso causou polémica.

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Os recém-casados Duques de Coimbra visitaram a cidade a convite da Confraria da Rainha Santa, num programa iniciado no sábado, 2 de Dezembro, com uma visita ao Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, seguido do “Almoço de Conjurados”, no Hotel Quinta das Lágrimas, promovido pela Real Associação de Coimbra. Estiveram igualmente presentes na homenagem junto ao túmulo de D. Afonso Henriques, na Igreja do Mosteiro de Santa Cruz. No domingo, foram investido como Irmãos da Confraria da Rainha Santa Isabel, tendo visitado depois o Carmelo de Santa Teresa (onde viveu e morreu a Irmã Lúcia, vidente de Fátima). Ao fim do dia, houve um concerto, na Igreja da Rainha Santa Isabel, pela Orquestra Clássica do Centro. 

Após estas visitas, aquela que iria agitar mais as reações foi a dos Duques de Coimnbra a subirem a escadaria da Câmara de Coimbra na companhia do presidente José Manuel Silva, que depois esteve à conversa com o casal Maria Francisca e Duarte Martins. E isso não agradou a certos munícipes. Os Duques de Coimbra, após a visita à câmara, deslocaram-se à Universidade de Coimbra para visitar a Capela, Biblioteca Joanina, Sala dos Capelos e, finalmente, audiência na Reitoria.

No meio destas visitas, aquela que provocou mais polémica acabou por ser a que fizeram aos Paços do Concelho. A notícia da visita, com fotos do presidente à conversa com os membros da Família Real, e colocada no dia seguinte na conta oficial da autarquia na rede social “X” – anteriormente conhecida como “Twitter” –, recebeu vários comentários negativos que, 113 anos após a Implantação da República, revelam como o sentimento antimonárquico ainda está bem vivo. 

Entre os vários comentários na rede social gerida pela autarquia, podiam-se ler coisas como: “O 5 de Outubro não se fez para isto”, conforme escreveu o utilizador Ezequiel Valadas. Também: “Desde 1910 que não há ‘duques’ na República Portuguesa, mas o Executivo de Coimbra decidiu alinhar nos delírios de um casal que acredita que pertence a uma suposta realeza que não existe”, assinou Manuel Baeta. 

A maioria dos restantes comentários é igualmente negativa e, como habitual nas redes sociais, alguns são provenientes de contas que não permitem identificar os autores e que, caso tivessem proferido em público certas afirmações, isso poderia conduzir a um eventual processo judicial contra eles por calúnia e difamação. Mas afinal, quem são estes Duques que transportam hoje o nome de Coimbra e defendem a memória de tal título nobiliárquico? Esta é a dúvida que a maioria dos comentários parece revelar.

No sentido de esclarecer o leitor e ajudar a formar uma opinião sobre a visita e cerimónia que decorreu na Câmara de Coimbra, diga-se então, que o casal ostenta o que foi título criado no século XV pelo seu antepassado, o rei D. João I, conhecido nos livros escolares como Mestre de Aviz e que leva, na História de Portugal, o cognome de “O de Boa Memória” – e não, não está relacionado com uma boa capacidade de memorizar factos, mas sim por ter sido alguém que deixou mesmo uma “boa memória” na mente dos portugueses da altura.

Na sequência da crise dinástica de 1393-85, D. João I foi eleito rei nas Cortes de Coimbra com o apoio de João das Regras e Nuno Álvares Pereira. Após a Batalha de Aljubarrota, casou com a princesa inglesa Filipa de Lencastre, permitindo assim a concretização daquela que é, ainda hoje, a aliança diplomática mais antiga ainda em vigor no mundo e conhecida como o Tratado de Windsor. Desse matrimónio, nasceram vários filhos naquilo que o poeta nacional, Luís de Camões, descreveu na obra “Os Lusíadas” como sendo a “Ínclita Geração” e, mais tarde, valeu a um outro poeta, Fernando Pessoa – este já em tempo de República – que se referisse a Filipa de Lencastre, em “A Mensagem”, nos seguintes termos: “Que enigma havia em teu seio/Que só génios concebia?”

Entre esses filhos “génios” da “Ínclita Geração” estava o futuro rei D. Duarte e, como segundo filho, D. Pedro. E foi este segundo filho que, em 1415, na sequência da conquista de Ceuta, recebeu o título de Duque de Coimbra. Um outro título criado na mesma altura foi dado ao terceiro filho de D. João I e Filipa de Lencastre: o de Duque de Viseu ao Infante D. Henrique, que o mundo inteiro conhece hoje como “O Navegador”.

A associação do nome da cidade Coimbra ao primeiro título de Duque criado em Portugal é assim uma honra que a cidade ostentará para sempre, a par de muitas outras, como o facto do túmulo do primeiro rei estar também nesta cidade e, por isso, ser um local de visitas de quem se diz português, seja ele monárquico ou republicano. É algo que alimenta a economia da cidade graças ao desenvolvimento do turismo histórico e cultural.

Pedro, o primeiro Duque de Coimbra é também famoso na História de Portugal por ser autor de um documento que, nos dias de hoje, mereceria mais atenção dos portugueses. Trata-se da “Carta de Bruges”, escrita em 1426 durante as suas viagens pela Europa e dirigida ao irmão, futuro rei D. Duarte. Essa carta encerra uma sabedoria que ainda provoca reflexão na atualidade. Foi aí que o primeiro Duque de Coimbra aconselhou o irmão a ter em conta a presença de representantes dos três Estados (clero, nobreza e povo) no Conselho e Tribunal real. Também falou da necessidade de apostar na educação, reformando a universidade, citando exemplos daquilo que é hoje Oxford e Paris.

Ainda assim, o conselho mais importante na “Carta de Bruges” é sobre a Justiça. O Duque de Coimbra, já no século XV, se queixava daquilo que, ainda hoje e em República, muitos portugueses se queixam: a demora da Justiça. E explicava-a assim ao irmão: “Parece-me, Senhor, que a justiça tem duas partes. Uma é dar a cada um o que é seu. A outra é dar-lho sem delonga. E ainda que eu cuido que ambas em vossa terra igualmente falecem, da derradeira sou bem certo e esta faz tão grande dano em vossa terra que, em muitos feitos, aqueles que tarde vencem ficam vencidos”. https://e-cultura.blogs.sapo.pt/a-celebre-carta-de-bruges-924145

A demora da Justiça em Portugal é um problema antigo e já estrutural do País. Desde 1910 que não há monarquia em Portugal, mas a Justiça tarda ainda. E há uma família que, goste-se ou não, descende de pessoas que, no passado, serviram Portugal. E essa família assistiu ao assassinato de um familiar que era o Chefe de Estado dois anos antes da revolução de 5 de Outubro. Depois da Implantação da República, Portugal teve necessidade de se afirmar na Europa e mandou soldados combater na I Guerra Mundial. Após isso, veio a instabilidade política dentro do seio da própria República, onde se mataram uns aos outros na Noite Sangrenta de Outubro de 1921 – que cumpriu 100 anos há apenas dois anos. https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/noite-sangrenta.aspx

Daqui a dois anos e meio, a 28 de Maio de 2026, fará 100 anos que a República degenerou numa ditadura que só terminou a 25 de Abril de 1974. Estes são factos que, ainda hoje, condicionam a verdade histórica em Portugal e demonstram que a República, afinal, não parece estar tão sólida quanto se acredita a ponto de a visita de dois jovens à Câmara de Coimbra ainda parecer constituir uma ameaça à sua estabilidade e credibilidade.

Quanto à legitimidade dos atuais membros da Família Real portuguesa como futuros reis de Portugal, caso isso algum dia venha a colocar-se, diga-se aos Republicanos que há outros candidatos ao trono de Portugal e que a monarquia não pretende impor-se pela força – pois que para isso já foi feito o 5 de Outubro e com efeitos bem nefastos –, mas sim através da vontade popular. E serão os representantes do povo de Portugal a elegerem o rei e a família reinante que daí advirá. E, quem sabe, se isso não acontecerá à semelhança da crise dinástica de 1383-85, de novo, de forma simbólica, nas Cortes em Coimbra.   

  

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