Opinião

Um general em cada esquina

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 15 minutos atrás em 14-12-2024

Entre as características mais vincadas da portugalidade, há uma que atravessa os séculos e os regimes políticos: o fascínio por homens providenciais. Esses salvadores, que sempre surgem das cinzas das nossas crises cíclicas, investidos de poderes sobre-humanos e com a capacidade de ultrapassar dificuldades que nós nem sabíamos existirem (por vezes, nem temos a perceção da sua existência, que por estes dias parece ser critério suficiente para decretar a realidade de um problema, mas esse é outro assunto…)

PUBLICIDADE

publicidade

Os portugueses parecem acreditar que a democracia, por definição plural, é também naturalmente insuficiente, pelo que há que convocar um «homem como deve ser» para pôr ordem na desordem, como se a autoridade de um indivíduo pudesse curar as nossas falhas coletivas. Que são tantas!

PUBLICIDADE

Essa ânsia emergiu em vários momentos críticos da nossa História – sendo o exemplo recente mais paradigmático o do académico austero transformado em ditador, graças a uma suposta capacidade de tudo resolver através de uma boa, velha e ferra disciplina, maldição de que ainda não nos livrámos completamente. Mas mesmo após 1974, não faltaram contextos em que as esperanças de redenção ou salvação nacional repousaram nos ombros de personalidades enaltecidas como heróis solitários e omnipotentes.

Não raras vezes, envergando fardas. Há poucas coisas de que o português médio goste mais do que uma boa farda (talvez só mesmo a vitória do seu clube), inebriando-se frequentemente como a mitificação dos militares como «homens sérios», acima das tentações e das falhas do mundo civil

. É uma narrativa fraca, que a mera enunciação da palavra Tancos devia ser suficiente para desmontar, se não preferíssemos todos ser enganados com uma mentira que nos agrade do que ser confrontados com uma verdade desconfortável.

O problema com os homens providenciais – sejam eles generais, professores universitários ou sapateiros – é ser impossível que cumpram as promessas que lhes projetamos, além de ser também, provavelmente, desejável que não o consigam fazer. A sua ascensão desvia a atenção das soluções sistémicas de que necessitamos, mas também promove uma visão simplista da liderança. Infelizmente, de cada vez que essas expectativas não são atingidas, o desencanto só nos conduz, mais cedo ou mais tarde, para outra adulação fútil. Voltamos, então, ao ciclo de procurar outro salvador.

Por isso, em vez de sonharmos com um general em cada esquina, seria mais prudente olhar para as esquinas de cada bairro e perceber que são os cidadãos comuns e as comunidades que eles constroem, com todos os seus defeitos e virtudes, que sustentam uma democracia verdadeira. A liderança de um só homem, por mais carismático, nunca será substituta para a força coletiva de um povo que toma responsabilidade pelo seu destino.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

Related Images:

PUBLICIDADE

publicidade

PUBLICIDADE