Opinião

Um arroz de míscaros

Opinião | Amadeu Araújo | Amadeu Araújo | 11 meses atrás em 16-12-2023

Comi um arroz de míscaros, com entrecosto em vinha d’alhos, e bebi-lhe melhor. Foi a 14 do 14, capicua feita na quinta-feira, quando o rebelde independentista que habita cá em casa atingiu 14 anos de vida neste Portugal velhaco, mas que amo.

Estavam lá todos, tortulhos, sanchas, frades, faloides e até o fungão, creio. A Mestria do Nuno Fonte e da Inês Beja deixaram este comilão feliz. Foi no DeRaiz, restaurante de Rebordinho, junto à capela que eu gosto de refeiçoar abençoado e o bago, esse era carolino das margens do Mondego.

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A senhora que namoro, estava de frente a mim e foi-se ao Malvasia. Fina, pois então, sai Chão da Quinta que a moça tem olhos verdes e é linda. O cachopo, entretido com o anho, como diz o bom povo, “leitão de um mês e cordeiro de três”, e um fecundo arroz de feijão que diria vermelho. Cá o mim atreveu-se com as Três Marias, um Encruzado que o meu amigo Peter Eckert faz na Oliveira do Conde. Macio e poderoso, 13,5 de alcoolémia e no final, cigarrilha e Pacheca, Tawny de 20 anos.

Assim ensimesmado pensei no quanto este país perde com os intermediários. Aqueles que aproveitam as chuvas e o sol deste Outono para irem pelos pinhais na demanda. Ninguém diz que é para o negócio, mas eles lá vão, para Espanha que a malta investiga, mas não patrulha. Governam a vida e fazem bem, já que os do mando, a corte de Lisboa e o paço de Coimbra, não querem saber da Beira, aqui entre Douro e além o Tejo. Abençoados os esventradores de florestas, e de vidas.

A simbiose perfeita destes tempos de aventais, portas e roldanas, sai de procurar, vai defender, tens de cair para safar o meu irmão, esta calhandrice, volta a achador. Uma galinha da floresta, cogumelo formidável, se me faço entender. Faço da defesa, da defesa dos implicados e da defesa onde militou aquele tipo que tem chefe que entende que criticar é destruir a corporação, que devia ter sido desmantelada no 25 do Abril, mas ficou com a Tampa de Caneta, um cogote que também vai bem no prato.

Já na Guarda a população prisional deste país que maltrata detidos e encarcerados, pede que os deixem ouvir as notícias. Os reclusos criaram uma rádio interna e lamentam estar “num meio fechado”, apenas com acesso às notícias dos canais generalistas. Ignoram o que se passa à volta, tal como muitos dos nossos políticos. E a pouca-vergonha da justiça e o populismo de certos montes, negros onde não brotam cogumelos, não deixam que isto mude.

Usam Chapéu-de-cobra, cogumelo que guarda um bom cabrito com gabarito, e esquecem esta “terra de irmãos”, o triangulo entre Serra do Buçaco, rio Mondego e linha ferroviária da Beira Alta. Uma espécie de Ladeira da Malva, em Montemor-o-Velho, que precisou de ver reparada a estrada, para cobrir as fendilhações.

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Estamos fendilhados, mas retomo a terra de irmãos, uma Marmeleira que surpreende, em palavras simples.

O advogado antifascista Basílio Lopes Pereira, que foi desterrado para o Tarrafal, criou essa utopia da Irmânia, no concelho de Mortágua. A ideia volta, cem anos depois, uma defesa dos ideais republicanos, que se nos escapam com a mesma voragem com que eu devoro botelhas.

O médico João Paulo de Almeida e Sousa tem investigado , trabalho que se lê no livro “Memórias da Vila da Irmânia – Realidade e utopia por terras de Mortágua nas primeiras décadas do século XX”.

Já há museu, “Raízes e Memórias”, e uma exposição “Da Beira Alta a Timor, o destino da coragem”.

A coragem que nos falta para limpar a Pátria, e tal como naqueles tempos, para alcançar “educação, cultura e informação”.

Agora que todos choram a decadência da imprensa, esquecendo o viés que vão pondo no caminho, resta a Marmeleira. Lá se luta pelo desenvolvimento e a economia, a par do turismo.

Já no fandango político a culpa procura entrecosto, os do governo esvaído estão em eleições, a oposição fala de moralidade e ninguém atinge a indecência de nos termos tornado numa república de procuradores, com o beneplácito daquele senhor que nos custa 21,2 milhões de euros, ano.

É isto o país que somos, não a “terra de irmãos”, infelizmente, mas jogo de aventais que se diverte nos salões, de charuto a dirigir pandilha.

Cá eu, dava-lhes com um Phallus impudicus, que se intromete no assado do lombo, com deleite. E nisto, voltando ao meu arroz, falta-me contar-vos do Amanita. Não o dos alucinados, antes o rubescens, que vai bem com uma arouquesa, e um tinto ali do Sicó, um Vale da Brenha.

Assim comidos, os miúdos ficam bem e nós carpimos as dores e as dúvidas do caminho. Haja esperança, pior que está não fica. Ou talvez ainda seja possível a maldade crescer mais, agora que, contrariando a troika e a Comissão Europeia, o pai do doutor pretende manter as corporações. E estamos nesta melancolia, país de corporações e confrarias. Antes fossemos valdevinos. Assim, para saber ao que vamos.

 Opinião | Amadeu Araújo – Jornalista

 

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