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Tunísia vai eleger um Parlamento sem poderes reais

Notícias de Coimbra com Lusa | 2 anos atrás em 16-12-2022

Os tunisinos vão eleger sábado um Parlamento sem poderes reais, numa votação boicotada pela oposição, última etapa do novo sistema ultra-presidencialista edificado pelo Presidente Kais Saied, desde que assumiu plenos poderes num “golpe de força”.

A nova Assembleia de 161 deputados substituirá a que Saied havia destituído a 25 de julho de 2021, após meses de bloqueios políticos no sistema em vigor desde o derrube da ditadura de Zine El Abidine Ben Ali, durante a primeira revolta da Primavera Árabe, em 2011.

Se esta câmara (formalmente dissolvida em Março) era um polo de poder com vastas prerrogativas, aquela que emergirá das eleições legislativas, no final de uma segunda volta marcada para fevereiro ou março, será dotada de poderes muito limitados, sob um nova Constituição que Saied fez aprovar no verão passado num referendo marcado por uma elevada abstenção (quase 70%).

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“O objetivo é cumprir uma agenda que foi traçada logo após o golpe de força [de Saied] e concluir o processo iniciado a 25 de julho [de 2021]”, sublinhou à agência noticiosa France-Presse o politólogo tunisino Hamadi Redissi.

Segundo Redissi, o novo Parlamento terá poderes muito limitados, com realce para o facto de ser “praticamente impossível” derrubar o Governo através de uma moção de censura.

Além disso, qualquer projeto de lei deve ser apresentado por pelo menos 10 deputados e os textos apresentados pelo presidente terão prioridade.

Um novo sistema uninominal substitui o sistema de listas, o que reduz a influência dos partidos políticos, com candidatos sem filiação declarada.

“O que se procura, apesar de todas as falhas desta eleição, é um aumento da legitimidade da presidência”, prosseguiu Redissi, referindo-se a “um Parlamento redutor, sem poderes”.

Denunciando a concretização de um “golpe de Estado contra a Revolução” que permitiu a única verdadeira democracia no mundo árabe, quase todos os partidos políticos boicotaram a votação, entre eles o de inspiração islâmica Ennahdha, força política que durante 10 anos dominou o Parlamento entretanto dissolvido.

Neste contexto, e face à polémica reforma eleitoral do Presidente tunisino, os Estados Unidos pediram a Saied para criar condições para que as eleições sejam “livres e justas”, num encontro entre o chefe de Estado da Tunísia e o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.

Saied responsabiliza a crise política pela corrupção profundamente enraizada no sistema político-partidário na Tunísia, onde reinavam deputados “membros de redes de contrabando” e “sem preocupação pelas necessidades económicas e sociais do povo”.

Além disso, Saied criticou o sistema eleitoral resultante da Constituição de 2014, após a revolução tunisina de 2010, considerando que foi elaborada “à medida” dos interesses de determinados grupos políticos.

“Não reconheceremos os resultados das eleições”, assumiu Ahmed Néjib Chebbi, presidente da Frente de Salvação Nacional (FSN), coligação da oposição e da qual o Ennahdha é membro.

Em declarações à imprensa, Chebbi salientou que a votação “vai empurrar o país para uma crise política ainda maior”, alusão ao facto do adiamento indefinido de um “exame económico” ao país por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI), que estava previsto para começar a partir da próxima segunda-feira.

Segundo Chebbi, que frisou que os cofres nacionais estão “vazios”, o adiamento “ameaça o equilíbrio económico” da Tunísia, que necessita urgentemente de um novo empréstimo no montante de pelo menos 2.000 milhões de dólares (1.870 milhões de euros). Também a toda-poderosa central sindical UGTT considera as eleições “inúteis”.

Um dos desafios será a participação, considerada muito baixa por especialistas, num país com quase 12 milhões de habitantes, e que conta com quase nove milhões de eleitores.

Entre a camada mais jovem da população tunisina é preponderante a ideia de que o que está em causa é a eleição de um “Parlamento fantoche”, ideia que tem sido difundida pelas rádios e televisões privadas, mas não pelos órgãos do Estado.

Nos últimos dias, o Presidente tunisino tem-se desdobrado em inúmeras ações de campanha, tentando tranquilizar os comerciantes na medina de Tunes ou a inaugurar infraestruturas.

Mas a população está sobretudo preocupada com as recorrentes faltas de leite, arroz ou açúcar, com a inflação – que se aproxima dos 10% – enquanto o país vive uma crise, agravada pela pandemia de covid-19 e, depois, pelos problemas decorrentes da guerra na Ucrânia.

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