Política

Tribunal Constitucional espanhol impede votação no Senado e abre crise “sem precedentes” no país

Notícias de Coimbra com Lusa | 2 anos atrás em 20-12-2022

O Tribunal Constitucional (TC) de Espanha decidiu na segunda-feira à noite impedir o debate e votação de uma iniciativa no Senado, numa decisão inédita na democracia espanhola de ingerência na atividade parlamentar.

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Está aberta uma “crise institucional sem precedentes” na democracia espanhola porque “em 44 anos de democracia jamais se havia despojado as Cortes [parlamento] da sua faculdade de legislar”, afirmou o presidente do Senado, Ander Gil, numa declaração após ser conhecida decisão do TC.

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A decisão foi tomada pelos juízes do Tribunal Constitucional a pedido do Partido Popular (PP, direita, na oposição) e tem como alvo uma mudança na legislação que regula a eleição de juízes do próprio TC e do Conselho Geral do Poder Judicial.

O PP pediu, num recurso para o TC, uma medida cautelar e invocou que foram atropelados procedimentos parlamentares, por parte dos partidos no Governo (socialistas e plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos), que recorreram a mecanismos que permitiriam concretizar as mudanças legislativas em poucos dias e sem debate no Congresso e no Senado, as duas câmaras das Cortes espanholas.

Para o PP, os deputados e senadores foram impedidos de exercer os seus direitos e questionou estes procedimentos, que considerou inconstitucionais.

O presidente do Senado, Ander Gil, a presidente do Congresso, Meritxell Batet, e o ministro da Presidência, Félix Bolaños, todos do partido Socialista (PSOE) já disseram que vão acatar a decisão do TC, por respeitarem as instituições do estado de direito, mas anunciaram que a vão contestar e consideraram-na de “gravidade máxima” por haver um condicionamento do poder legislativo e da ação dos representantes mais diretos da soberania popular.

“É um dia insólito para a democracia” espanhola e “um triste ponto de viragem na história recente” de Espanha, afirmou Ander Gil, que lamentou que os juízes do TC tenham tomado esta decisão em tempo recorde e sem ouvir o Senado ou o Congresso.

“Os legítimos representantes da soberania popular foram impedidos de votar, não existe precedente algum comprável”, reforçou, antes de sublinhar a gravidade da decisão do TC por se traduzir numa “deterioração do sistema democrático” que coloca em causa o princípio da garantia da inviolabilidade das câmaras [das Cortes]” plasmado na Constituição.

Para Ander Gil, está aberta uma “crise institucional sem precedentes” na democracia espanhola, fazendo eco de palavras de diversos políticos, mas também de constitucionalistas e analistas.

O ministro Félix Bolaños, numa declaração desde a sede do Governo em Madrid, considerou de “gravidade máxima” a decisão do TC de “paralisar uma lei na sede da soberania nacional”.

Para Bolaños, uma decisão destas nunca se viu em Espanha ou noutro país europeu “do mesmo contexto” e “afeta a separação de poderes”.

O líder do PP, Alberto Nuñez Feijóo, escreveu no Twitter que hoje a democracia espanhola ficou “fortalecida” porque “num estado de direito, todos os poderes estão submetidos à lei”.

O recurso do PP para o Tribunal Constitucional teve o apoio dos outros partidos de direita com representação parlamentar, o Cidadãos e o VOX, e o líder deste último, Santiago Abascal, já prometeu avançar com uma moção de censura ao Governo.

As mudanças na eleição dos juízes do TC e do Conselho do Poder Judicial pretendiam diminuir as maiorias necessárias para as escolhas de alguns dos magistrados, depois de quatro anos sem o acordo necessário entre os partidos no Governo e o PP para substituir elementos das duas instituições que têm os mandatos caducados.

O PP recusa fazer acordos com o PSOE por o Governo espanhol fazer pactos e negociar com partidos independentistas catalães e bascos, que querem “romper Espanha” e atentam contra a Constituição.

Perante a falta de acordo, não há no TC ou no Conselho do Poder Judicial, atualmente, juízes indicados na legislatura iniciada em 2019, em que socialistas e Unidas Podemos governam.

No Conselho do Poder Judicial há juízes com mandatos caducados há anos e no TC há dois, incluindo o presidente, com mandatos que terminaram em junho, mantendo-se nas duas instituições uma “maioria conservadora”, conectada com o PP e a direita em geral.

Para contornar o bloqueio, PSOE e Unidas Podemos usaram a figura das “emendas” e d “tramitação urgente” previstas no regulamento parlamentar para fazer a alteração legislativa que ia ser votada no Senado na próxima quinta-feira e que já tinha sido aprovada pelo Congresso na semana passada, pela maioria formada pelos dois partidos no Governo e partidos nacionalistas bascos e catalães, entre outras formações.

O ministro Bolãnos disse na segunda-feira à noite que o TC “paralisou a sua própria remodelação”, com juízes com mandato caducado a não se coibirem de votar e decidir o seu próprio futuro.

Bolaños criticou também o PP por “querer controlar o parlamento quando é maioria e quando não é”.

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