Opinião
Sondagens para que vos quero?
De acordo com uma sondagem recente, 87% de todas as sondagens são inventadas. A piada não é nova, mas ganha uma relevância e atualidade indesmentíveis se olharmos para o que tem acontecido nos mais recentes processos eleitorais em Portugal, em que nem resguardadas por conceitos que, em Democracia, não existem (como o já quase mitológico ‘empate técnico’), os diversos e cada vez mais frequentes estudos de opinião não conseguem entender-se entre si nem – e isto é o mais importante – com a realidade.
É um mundo turbulento, este das sondagens eleitorais, onde os números parecem ter vontade própria. Acontece que este livre-arbítrio atira os eleitores para um furacão de dados estatísticos que parece não ser mais do que um reflexo distorcido das agendas políticas e da opinião pública. Se nem o próprio Zandinga era um Zandinga, talvez fosse prudente não lhes dar o lugar de destaque que, cada vez mais, lhes atribuímos.
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Não faltam estudos que comprovam que a simples divulgação de uma sondagem pode influenciar as escolhas dos eleitores, levando-os a seguir tendências percebidas como vencedoras, ou a abandonar candidatos que parecem estar em desvantagem. Este fenómeno acaba por modificar frequentemente os resultados das eleições, uma vez que os cidadãos podem votar não com base nas políticas ou qualidades dos candidatos, mas sim na perceção da opinião pública. Se soa a algo pouco democrático, é porque, de facto, o é.
Além disso, as sondagens acabam por influenciar o comportamento dos próprios políticos e das respetivas equipas. Num mundo que parece cada vez mais um campo minado pelo populismo, voam muitas vezes pela janela os escrúpulos dos candidatos, inebriados que ficam pela possibilidade de uma vitória que os números antecipam ou assustados pela iminência de uma derrota que parece inevitável ao olhar para as folhas de cálculo. E esta dinâmica distorce ainda mais o processo democrático, limitando a diversidade de ideias e propostas apresentadas aos eleitores.
Mas se são cada vez mais frequentes as discrepâncias entre os resultados avançados pelas sondagens e os das votações reais (mesmo quando estão em causa as sondagens à boca de urna, muitas vezes apresentadas como mais fiáveis), porque se continua a encará-las como verdades absolutas? Bem, esse pode ser um mistério maior do que a identidade de Banksy, como morreu verdadeiramente Jeffrey Epstein ou a posição em que atuará Aursnes no próximo jogo do Benfica.
Talvez não seja de desconsiderar como possível resposta o facto de as sondagens serem um produto caro… Todos temos aquele amigo que, mesmo que os aperitivos que comprou há dois meses já estejam moles e sem sabor, não vai deixar nenhum no pacote, porque, afinal de contas, já pagou por eles. Talvez os órgãos de comunicação social sejam, simplesmente, esse nosso amigo que come Cheetos desenxabidos. Certo é que tratam estes estudos de opinião como verdades absolutas, sem questionar as suas muitas fragilidades. Esta tendência para os oráculos infalíveis acaba por levar a títulos como «Sondagem dá maioria absoluta», que esquecem que só o povo pode dar ou retirar o que quer que seja numa democracia, ou «Maioria dos portugueses quer eleições antecipadas», quando em termos absolutos se referem a cento e poucos eleitores que atenderam o telefone fixo… e podemos mesmo confiar em pessoas que ainda atendem o telefone fixo?
Talvez seja a altura de questionarmos a utilidade de divulgar publicamente sondagens durante os períodos eleitorais. Embora a transparência sejam essencial à política, creio que não faltam indícios de que a publicação constante e indiscriminada de sondagens (e com tipologias cada vez mais inventivas, que há muito fazem parecer obsoleta a outrora disruptiva pergunta «A quem compraria um carro?») pode, em última instância, comprometer a própria legitimidade do resultado das eleições.
Ao limitar a exposição excessiva às sondagens, poderíamos evitar o espetáculo de manipulação e incerteza que tantas vezes acompanha as campanhas eleitorais, permitindo que os eleitores se concentrem nas propostas e ideias dos candidatos, em vez de se deixarem levar pela maré volátil das opiniões fáceis e soluções simplistas para problemas complexos. Além disso, não me parece uma sugestão assim tão radical sobretudo se comparada com a ideia de uma ex-líder de um dos maiores partidos portugueses de suspender momentaneamente a democracia. Talvez possamos até evitar que essa possibilidade venha mesmo a concretizar-se…
OPINIÃO | PEDRO SANTOS- ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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