Opinião

Sobre o Papa Francisco e elogios que são insultos

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 2 horas atrás em 25-04-2025

Naquela que se tornaria a sua última mensagem escrita, para a benção Urbi et Orbi lida no passado domingo de Páscoa, o Papa Francisco escolheu lembrar a violência «dirigida contra as mulheres ou as crianças» e o desprezo em relação «aos mais fracos, marginalizados e migrantes», exortando à ação.

A ação – descreveu nessa mensagem, como tantas vezes o fez em vida, mesmo antes de ocupar o lugar de líder da Igreja Católica – que permita recuperar a esperança e a «confiança nos outros, mesmo naqueles que não nos são próximos ou que vêm de terras distantes com usos, modos de vida, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares». Não podia ser mais claro, nem mais coerente.

E perante esta clareza, o que nos têm dado os últimos dias?

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Desde logo, uma longa e fastidiosa sucessão de platitudes proferidas por comentadores e jornalistas incapazes – ou desinteressados – de aprofundar o pensamento interpelador de Francisco para lá de algumas abstrações sobre humanismo genérico. Se procurarmos alguma substância nas palavras que têm sido proferidas, encontramos um silenciamento, que não podemos achar inocente ou ingénuo, da mensagem essencial deste papado. Tudo bem montando para que o mundo prossiga sem sobressaltos. Sem revoluções.

Mas ainda mais causador de náusea é o cortejo de líderes e decisores políticos cheios de elogios ao legado do Papa, acreditando que nenhum de nós sabe do seu histórico de decisões antagónicas a esse mesmo legado. Para lá das piruetas dos que o criticaram duramente, e agora tentam navegar a onda quase unânime de admiração por Francisco, importa ainda mais a atitude dos que sempre decidiram os nossos destinos comuns de acordo com visões em tudo contrárias às defendidas por aquele que agora exaltam. Mas, agora que se preparam para viajar até Roma, saibam que não nos enganam, conhecemo-los e ao que defendem – não podemos esquecê-lo, nem minimizá-lo!

Em Portugal, a hipocrisia chegou ao ponto de o Governo ter cancelado a comemoração de uma data histórica em nome de alguém que, tenho a certeza, celebraria entusiasticamente as conquistas em causa. Ao quererem ser mais papistas do que o Papa, os atuais representantes do supostamente laico Estado português demonstram a sua inaptidão e provincianismo. E deixam algo muito claro: não perceberam nada!

Mas quem escutou com atenção as palavras de Jorge Bergoglio, antes e depois de ser Francisco, não precisa sequer de ser crente para saber como é urgente lutar contra a exploração e a fome ou como é indispensável clamar pelo primado da paz justa (seja na Ucrânia ou em Gaza). A esses valores, como a muitos outros por que este Papa – com os defeitos de qualquer outro ser humano – pugnou e tentou amplificar, até um ateu como eu é capaz de dizer: Ámen.

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