Coimbra

Só quem está lá fora é que sabe 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 3 meses atrás em 23-06-2024

Só quem está lá dentro é que sabe” – é uma das frases que, repetidamente,  ouvimos por aí. Umas vezes chega-nos pela voz de um ex-concorrente do Big  Brother, outras pela fala de um ex-presidiário, ou mesmo vociferada por um qualquer jogador de futebol. A expressão, replicada em múltiplas ocasiões, foi já consagrada como uma “máxima” incontornável do nosso léxico coletivo. 

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E, na verdade, a ideia que aquela afirmação transmite parece incontestável – pois,  claro, “só quem está lá dentro é que sabe” – pelo menos para quem não passou por  “”, independentemente da circunscrição do respetivo “lá dentro”. Afinal, só quem  esteve “lá dentro” – inserido num determinado espaço, condição ou acontecimento  – poderá confirmar se o tal “” pode ser compreendido por quem não passou por  ali. 

Para quem não passou por “lá”, efetivamente, apenas será possível imaginar ou  projetar aquele lugar ou situação, sem quaisquer garantias de concretizar na  plenitude as sensações e sentimentos que o objeto do dito “lá” proporciona.  

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Assumindo os pressupostos deste silogismo infalível, concluo que nunca saberei  verdadeiramente o que sente o jogador de futebol quando faz abanar as redes da  baliza, o que sente o presidiário quando é fechado numa cela com 6 metros  quadrados ou o que sente o concorrente do mais famoso reality show quando é  chamado para ir ao “confessionário” no preciso momento em que corria para o WC  para aliviar uma qualquer urgência fisiológica. 

Habitualmente, para tentar compreender aquelas sensações, tenho de me bastar  com os relatos e testemunhos de quem está ou esteve “lá”, esperando que estes  tenham conseguido explicar-me, com propriedade, o que sabem sobre aquele “lá” que eu nunca conheci. 

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Ao contrário, nesta semana, tive a oportunidade de conviver, não com quem está  “lá dentro”, mas com quem está “lá fora”. Oprivilégio de viajar até à Alemanha, onde assisti ao jogo inaugural de Portugal no Euro 2024, permitiu-me descobrir uma nova  realidade, o espírito exaltado da intensa comunidade de emigrantes que se juntou  “lá fora” para apoiar a seleção.  

Foram três dias de correria distribuída entre Berlim e Leipzig, que culminaram no  embate com a Chéquia, um país que até agora desconhecia o impacto da valentia portuguesa personificada naquele anão talentoso batizado como Chico Conceição, Francisco para os amigos.

Inebriado pela festa, na companhia de quem está “lá fora”, misturado entre milhares de emigrantes – em particular, os amigos que me seguiram nesta cruzada,  o velho Castro e o grande Paulo – saltei e gritei pela equipa das quinas como se a  própria existência da nação valente dependesse do resultado daquele jogo de  futebol. Primeiro, nas ruas, no meio de canecas e cantorias. Depois, no estádio, no  meio de golos… canecas e cantorias. 

E não foi por mim que nalgum daqueles noventa e poucos minutos se deixou de gritar pelos tugas. Na bancada da Red Bull Arena, gritei e torci como raras vezes fiz,  numa exaltação só superada, talvez, pelos meus compatriotas mais próximos,  todos eles emigrantes e, alguns deles, ultra especialistas no apoio à seleção. 

Já eu, estou muito longe de ser um perito naquelas lides. A minha inédita incursão  aos jogos a doer, no estrangeiro, mostrou-me, aliás, que, antes de mim, milhares  entre os milhões de portugueses emigrados suam (muito e muitas vezes) para andar  atrás das camisolas portuguesas, encarando o emblema da Federação Portuguesa  de Futebol como um símbolo equivalente à bandeira das Quinas ou à Cruz de  Cristo. 

Eles, compatriotas de espírito inabalável, cantam o hino de lágrima no olho e  clamam por Ronaldo e companhia como se de salvadores do mundo se tratasse; tudo enquanto me recordam das virtudes do país que sentem como a sua casa,  mesmo não estando em Portugal a sua morada fiscal. 

Sejam eles gestores no Luxemburgo, contabilistas em Toronto ou carteiros em  Colónia, aqueles exemplares dos 2,2 milhões de portugueses que tentam a sua  sorte “lá fora” – e para a boa maioria esta sorte é mero sinónimo de dinheiro e  ambição de uma vida mais digna – veem a seleção como o símbolo de uma casa  por que ainda suspiram ruidosamente. Eu, por outro lado, mais próximo de casa – e, por isso, mais desencantado com as  suas qualidades e menos benevolente com os seus defeitos, com uma vasta e  quotidiana lista de lamúrias domésticas – procurei imbuir-me da euforia dos meus  compatriotas, enturmar-me no furacão daquele amor à nação que tantas vezes é  alvo do meu ressentimento e fúria. A mesma nação que é tão estimada pelos  emigrantes portugueses, os únicos portugueses que sabem o que é estar “lá fora”  convivendo com a saudade do que está “lá dentro”.

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