Desporto
Sem a estrada, ciclistas mantêm a forma com “picanços” virtuais
Com a suspensão das corridas e restrições aos treinos na estrada, muitos ciclistas do pelotão nacional têm treinado e ‘rolado’ em casa com o auxílio de plataformas digitais, como o Zwift, no qual se juntam e até se ‘picam’.
Há mais de um mês sem corridas, devido à pandemia de covid-19, o pelotão português passou a pedalar em cima de rolos, em casa, e a preparar-se para melhores dias, tendo recorrido a plataformas digitais para ‘projetar’ estradas, paisagens e proporcionar um encontro virtual.
“Nestas últimas semanas, treinei na rua apenas duas vezes. Tenho treinado sempre no rolo, com outros atletas, como o José Gonçalves ou o João Matias, que são aqui da zona. Usamos a plataforma Zwift para passar o tempo. Não deve haver nenhum atleta que goste de fazer rolo, mas é uma obrigação neste momento, para o bem de todos”, conta à Lusa Hélder Gonçalves, da Kelly/InOutBuild/UDO.
Além de José Gonçalves, um vizinho que corre pela francesa Nippo Delko One Provence, e de João Matias (Feirense), também João Benta (Rádio Popular-Boavista) ou os colegas de equipa Pedro Miguel Lopes e Luís Gomes pedalaram na mesma ‘janela’ virtual de Hélder Gonçalves.
O jovem de 19 anos, natural de Barcelos, tem conjugado o treino no Zwift, com mais de 1.400 quilómetros registados nas últimas semanas na plataforma, com as aulas ‘online’ no Instituto Politécnico de Viana do Castelo, em que está no segundo ano de uma licenciatura em engenharia informática.
Este sistema tem conquistado grande parte do pelotão internacional, que o usa para treinar, para passar tempo entre colegas e até com adeptos, ou para iniciativas solidárias, e, em Portugal, podem encontrar-se perfis públicos de muitos dos corredores profissionais, como o vencedor da Volta a Portugal, João Rodrigues (W52-FC Porto), mas também de lusos a correr no estrangeiro, desde Nelson Oliveira (Movistar), já escalado pela equipa espanhola para disputar várias provas virtuais, a Maria Martins, que em 2020 corre pela britânica Drops.
A jovem portuguesa, que em 2021 vai estrear Portugal nos Jogos Olímpicos em ciclismo de pista, em Tóquio2020, explica à Lusa que vê o Zwift “como um jogo que ajuda a passar o tempo, com uma comunidade”.
“Isso torna as coisas mais reais. Há um atleta que organiza uma ‘volta’ e convida amigos, e estão no mesmo percurso, com as pessoas que lá estão. É giro, porque emula a estrada”, refere.
Com uma adesão mais gradual, Tiago Machado (Efapel) tem feito várias centenas de quilómetros nas últimas semanas depois de convidado pelo colega Joni Brandão para um encontro virtual da equipa.
“Tenho feito algumas vezes, nem sempre, porque começa a saturar um bocado. Uma pessoa vai lá e acaba por aquecer um pouco mais do que é previsto. Mas dá para passar melhor os dias mais monótonos”, resume o ciclista de Vila Nova de Famalicão, de 34 anos.
O tempo “passa facilmente” na aplicação, até porque estes encontros com colegas de equipas e até rivais dão para “aqueles pequenos ‘picanços’ entre todos”, além de tentarem acompanhar o ritmo de um ou outro companheiro.
O antigo ciclista Manuel Cardoso é outro dos adeptos, com cerca de 750 quilómetros registados desde o início do confinamento, e já a usa há quatro anos, após conhecer o fundador num evento.
“Achei interessante, e ainda estava em desenvolvimento. Na altura o objetivo não era para quarentenas, [era] mais o mercado americano e inglês. Também ficou mais conhecido quando atletas profissionais usavam a aplicação após lesões. Agora, todos os amantes e atletas utilizam bastante, porque é muito cómodo e é mais divertido do que usar o rolo sem interação”, comenta.
Várias corridas têm recorrido a versões virtuais delas mesmas em várias plataformas diferentes, como a Volta a Flandres, ganha pelo belga Greg van Avermaet (CCC), enquanto outras equipas se têm encontrado desta forma para trazer competitividade ao período de confinamento.
Uma delas foi a W52-FC Porto, com duas partes de um duelo, pouco feliz, contra a equipa britânica SwiftCarbon, com o público convidado a assistir através da Internet.
Numa primeira fase, Jorge Magalhães e Francisco Campos bateram-se com Alex Braybrooke e Andrew Turner, com os britânicos a levarem a melhor. No segundo ‘round’, o espanhol Raúl Rico substituiu Magalhães na Clássica 3R, uma das tiradas disponíveis, mas o resultado foi um novo desaire para a formação lusa.
Já o grupo TeamPTz organizou uma ‘eVolta’ a Portugal, que arranca hoje e decorre até domingo, com várias etapas que acontecem nos circuitos do Zwift. O evento contará com profissionais e amadores, entre várias categorias, e a inscrição é aberta a homens e mulheres de todas as idades.
“É uma excelente iniciativa, por juntar estes dois grupos. Nestes tempos, não é muito fácil ter motivação para subir ao rolo”, atira Hélder Gonçalves.
Apesar dos benefícios, também pode “ser prejudicial, pelo desgaste enorme para o corpo”, utilizar em demasia a plataforma, até porque os treinos ‘indoor’ trazem vários problemas, do suor à pressão nos joelhos, sem o corpo poder ‘alongar’ e relaxar em descidas, como na estrada, alerta o jovem ciclista.
“Se for por caridade, como o Geraint Thomas [que passou 12 horas na bicicleta para angariar fundos], têm todo o meu respeito, mas outros podem prejudicar-se ou ganhar lesões por fazer desafios de imensos quilómetros. Não tem tanta piada como pensam”, conclui.
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