Opinião
“Se eu pudesse voltar a viver”
Há um poema intitulado “Instantes”, li-o pela primeira vez em 1998, e de lá para cá percorre o mundo em diversas línguas, erroneamente, atribuído ao escritor argentino, Jorge Luís Borges e, também, a uma escritora americana, Nadine Stair, cuja existência não foi confirmada.
O último parágrafo do poema diz assim: “Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.”
A literatura tem uma forma distinta de dizer as coisas e fazer-nos sentir detentores de um poder invisível que é só nosso, após a desfrutarmos. O poeta vale-se dessa distinção e mostra-nos o quão possível estabelecer uma ligação entre o que imaginamos e o que vivenciamos.
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O encorajamento da palavra é arrebatador. Há uma identificação possível entre o que lemos e o que queremos viver depois daquela leitura. Não conseguimos fingir que a origem de qualquer contentamento é a possibilidade daquilo que temos nas mãos e o podermos realizar.
Como no segundo parágrafo desse poema: “Na verdade, bem pouca coisa levaria a sério. Seria menos higiénico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.”
Poucos de nós aceitamos conselhos, aliás, só o tempo é responsável pelo amadurecimento e o discernimento do papel que representamos. Não mudamos nada porque alguém escreveu que é preciso voltar a viver novamente aceitando a vida como ela é. Somos idealizadores de um mundo que só existe na nossa cabeça, mas na prática, não é possível correr mais riscos, viajar mais, contemplar entardeceres e/ou ter menos problemas.
Um poema lírico, contagiante e expressivo, fala de uma verdade e de um lamento possível de quem está no final da vida, se, realmente, for a idade o que determina o fim de uma existência. É, portanto, preferível evitar a dissolução ou qualquer arrebatamento, tendo eu 30 ou 90 anos, mesmo com perspetivas audaciosas a levar uma vida pouco ortodoxa.
Quando quebramos um copo podemos substituí-lo, mas quando se diz que é “tarde demais” podemos acreditar ou não. A vida não é baseada só em exemplos a serem seguidos, mas, há uma oportunidade única para todos nós, a mudança.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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