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Risco de guerra nuclear de novo latente 60 anos após crise dos mísseis de Cuba

Notícias de Coimbra | 2 anos atrás em 23-10-2022

Sessenta anos após a crise dos mísseis de Cuba, que quase desencadeou uma guerra nuclear mundial, a história repete-se, com a invasão russa da Ucrânia e um protagonista mais ambicioso, o atual Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Putin, que lançou a 24 de fevereiro deste ano uma ofensiva em três frentes na Ucrânia, já declarou a anexação de quatro regiões do leste do país (além da península da Crimeia, que anexou em 2014) e deportou para o seu território dezenas de milhares de ucranianos, por entre ameaças de um ataque nuclear ao Ocidente, por causa da ajuda militar e humanitária que este está a fornecer às forças ucranianas e da adesão da Finlândia e da Suécia à NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte, bloco de defesa ocidental).

Em 1962, ao fim de 15 anos de Guerra Fria, viveu-se uma prova de força de 13 dias, até 28 de outubro, entre as cúpulas do poder de uma ordem internacional bipolar liderada pelo jovem Presidente norte-americano, John Fitzgerald Kennedy, e pelo líder soviético Nikita Khruchtchev, depois de fotos tiradas a 14 de outubro por aviões de espionagem norte-americanos U2 revelarem a presença em Cuba, aliada de Moscovo, de rampas de lançamento de mísseis soviéticos com alcance para atingir o nordeste dos Estados Unidos.

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Kennedy, considerando possível um “ataque nuclear contra o hemisfério ocidental”, decidiu isolar a ilha, com um bloqueio marítimo que designou como “quarentena”, por ser um termo menos ameaçador, e colocou as forças estratégicas militares em alerta máximo, o nível anterior ao do lançamento de uma guerra nuclear. Centenas de bombardeiros carregados com bombas atómicas patrulhavam os céus, e foram armados mísseis intercontinentais.

Os navios soviéticos recuaram, e começou a ser negociado nos bastidores um acordo entre as duas superpotências, que previa a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba se os Estados Unidos retirassem os seus mísseis da Turquia. Então, um desses aviões U2 (tripulado por um piloto) foi abatido sobre Cuba, fazendo com que Kennedy enviasse diretamente o seu irmão Robert, Secretário da Justiça dos Estados Unidos, para negociar com o embaixador soviético.

Khruchtchev acabou por aceitar retirar os mísseis de Cuba, e Washington comprometeu-se a não invadir aquele país caribenho aliado de Moscovo e a retirar secretamente os seus mísseis intercontinentais da Turquia.

Após esta crise, em 1963, foi instalado um “telefone vermelho” – uma linha de comunicação direta entre a Casa Branca e o Kremlin durante a Guerra Fria (porque se soube depois que a ordem de abater o U2 viera de Havana, não de Moscovo).

A doutrina em vigor nas décadas de 1950 e 1960 na NATO era conhecida pela sigla MAD (que significa, à letra, ‘louca’ em inglês, mas também Mutual Assured Destruction, isto é, Destruição Mútua Assegurada) – o que não deixava dúvidas quanto ao que pensavam os estrategas que aconteceria ao planeta se alguma das partes em conflito na Guerra Fria (Pacto de Varsóvia, liderado pela União Soviética, e NATO, liderada pelos Estados Unidos) iniciasse um ataque nuclear: não haveria sobreviventes.

Agora, os protagonistas são outros, mas é apenas uma versão diferente da fórmula original – Rússia versus Ocidente – e o mundo está a acompanhar o desenrolar dos acontecimentos não só ao vivo como também a cores, entre comunicação social e redes sociais, pelo que a obtenção de um acordo secreto que se mantivesse secreto seria altamente improvável.

A grande incógnita é se a capacidade dos dirigentes políticos que conseguiram evitar um conflito nuclear em outubro de 1962 encontra equivalente nos atuais líderes mundiais e terá o mesmo nível de eficácia – ou mesmo se é essa a sua vontade. Os especialistas temem que não.

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou, no início de outubro, que o mundo enfrentava o risco de uma guerra nuclear pela primeira vez desde 1962 e que Putin “não estava a brincar” ao proferir tal ameaça.

George Perkovich, especialista do norte-americano Carnegie Endowment for International Peace e que há 40 anos estuda esta matéria, considera ser esta “a situação mais delicada” a que assistiu e aquela que, “mais que qualquer outra desde 1962, pode desencadear o uso de armas nucleares (…) porque há uma potência nuclear, a Rússia, cujo líder definiu a questão como existencial”.

Ao contrário de 1962, o mundo confronta-se atualmente com várias potências atómicas: a Coreia do Norte está a preparar-se para mais um teste nuclear, a Índia e o Paquistão estão ainda em conflito latente e o Irão relançou o seu programa nuclear.

Mas a Ucrânia representa um risco singular, porque o conflito opõe indiretamente as duas principais potências nucleares. Se a Rússia utilizar uma arma atómica, deverá ser uma arma nuclear tática, mais fraca que as chamadas “estratégicas”, mas Biden avisou que será difícil utilizar qualquer arma nuclear “sem acabar por provocar o apocalipse”.

Putin, que questiona a legitimidade histórica de uma Ucrânia soberana e independente, anexou formalmente quatro regiões do país nos últimos dias e afirmou que um ataque a um território russo “anexado” ou uma intervenção ocidental direta no conflito poderá levar a Rússia a recorrer a armas nucleares.

A guerra na Ucrânia difere claramente da crise dos mísseis de Cuba, porque a Ucrânia é bastante mais importante para os aliados dos Estados Unidos do que Cuba era em 1962: “Putin parece querer alterar as fronteiras da Europa e isso é aterrador para os europeus”, sustenta Marc Selverstone, historiador da Guerra Fria na Universidade da Virgínia.

Na sua opinião, em 1962, os objetivos de Khruchtchev, embora importantes, eram “mais modestos que os de Vladimir Putin agora: Moscovo queria concorrer com os Estados Unidos em termos de armamento e ter uma moeda de troca com o Ocidente na questão de Berlim” e, para Kennedy, a alguns dias das eleições intercalares nos Estados Unidos e “envergonhado pelo fiasco do desembarque na Baía dos Porcos”, no ano anterior, (…) o mais importante era reduzir o risco de confrontação nuclear”, frisa o historiador, acrescentando: “Não sei se é essa a prioridade de Vladimir Putin agora. Na verdade, ele parece querer aumentar as apostas”.

Também na Ucrânia, o Presidente, Volodymyr Zelensky, está apostado numa contraofensiva das suas forças militares que está a ser bem-sucedida e pretende recuperar todo o território ocupado por Moscovo.

Já os Estados Unidos disponibilizaram milhares de milhões de dólares de ajuda militar à Ucrânia, mas Biden não enviou para Kiev mísseis com alcance para atingir o território russo, explicando querer evitar uma “Terceira Guerra Mundial”.

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