Opinião
Quando o sol voltar
O mundo como o conhecemos vai se exaurindo lentamente, como a goteira e o balde. Quando estamos sozinhos não insistimos em arranjá-la, porque naquela casa não habita mais ninguém. Enquanto a juventude passa depressa, a velhice não, e amamos a ideia de desfrutar a vida com esperança.
Nem sempre foi assim, o que já não existe pode ser apenas a memória de alguém. Lembro-me de assistir pela televisão a alguns movimentos que libertaram ou ressuscitaram a compreensão de liberdade. Essa ilusão afastou-nos do que seria o alerta da vida. Se há um destino a ser cumprido pelo homem, esse não está ligado à ideia de humanidade.
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Parece não entendermos a própria Língua. Há uma recusa identitária que reduz a racionalidade humana à uma função desprezível, que me faz pensar que há uma intolerância funcional. Muitos de nós ainda não entendem que somos uma “coisa só” e que se formos competentes e gerirmos bem as goteiras das casas abandonadas, o mundo, como nós o conhecemos, poderá ser outro.
A metáfora do balde não é uma indagação, é a resposta que já temos em conta. Numa educação prévia, que acontece a observar os fenómenos endereçados à natureza, somos pequeninos, sem saber para onde correr e a quem reportar a esperança.
As palavras mais sugeridas em momentos de catástrofe não aliviam a morte, não regeneram o absurdo. Tudo isto faz-nos pensar quão dececionante é vivermos iludidos atrás dos ecrãs, sentados em poltronas conferindo os números da lotaria. Quanta ilusão há na imagem que vende e no propósito abissal quando estamos no meio do caos a tentar sobreviver.
Deus não joga aos dados, mas a probabilidade conta com o esforço de cada um para fazer a diferença nas suas casas. Há sempre uma gota que pode ser a última a dar-nos as notícias de que o pior ainda está para chegar. O sol nem sempre ilumina quando nos recusamos a ver a realidade.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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