Saúde
Profissionais de Medicina Interna desiludidos exigem condições de trabalho
Enfermarias com 120 ou 150 doentes entregues a um só médico, “ingratidão por parte de quem manda” e casos de ‘burnout’ estão entre as queixas dos internos de Medicina Interna que escreveram à tutela a exigir condições de trabalho.
“Não há falta de médicos. Só que os médicos não estão para aturar mais isto”, diz Sara Pereira, interna de quinto ano do Hospital Pedro Hispano, concelho de Matosinhos e uma das signatárias da carta que em 19 de agosto foi entregue no Ministério da Saúde, na qual – inicialmente 416 e agora já 482 – médicos internos de Medicina Interna comunicam a indisponibilidade para realizar mais 150 horas extraordinárias por ano.
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Também dão conta de que, tendo em conta as exigências laborais, consideram que a formação “se encontra comprometida”, uma vez que estão constantemente a assegurar as escalas de urgência, “desdobrando-se em turnos que deveriam ser garantidos por especialistas”.
“O que faz falta à ministra [da Saúde, Marta Temido] perceber é que é preciso gente para trabalhar e nós sozinhos não estamos a conseguir. Nem especialistas nem internos. Nós não conseguimos segurar os serviços de urgência, o internamento, a investigação…”, descreve a interna de Matosinhos que fala aos jornalistas ao lado de colegas que com ela foram hoje discutir a situação com o bastonário a Ordem dos Médicos, numa reunião que decorreu no Porto.
Sara Pereira diz que os internos de Medicina Interna do país “não querem mais palminhas à janela, querem ser respeitados”, e recusa entrar em pormenores quando questionada sobre se as medidas de inventivo de caráter financeiro anunciadas pela tutela vieram agradar ou não à classe.
“Estamos no último trimestre do ano. Muitos de nós já atingiram [o número de] horas-extra [expresso na lei] há muito tempo. O que queremos fazer é um ponto de situação muito claro: não estamos disponíveis para compactuar com isto. Precisamos de medidas sérias”, refere.
É o caso de Catarina Camarneiro, interna de segundo ano do Hospital Central da Figueira da Foz. “Já ultrapassei as 150 horas extraordinárias há alguns meses. Estou quase nas 300”, responde aos jornalistas.
Catarina Camarneiro diz conhecer casos de colegas que já abandonaram a medicina e outros que nem ponderam, tirada a especialidade, enveredar pelo Serviço Nacional de Saúde e junta-se a Sara Pereira na reivindicação do acesso à formação e a outras tarefas que não “tapar buracos no serviço de urgência”.
“A urgência é um quinto da formação em Medicina Interna. Temos a consulta, o internamento, a investigação e a consultadoria. Eu passo mais tempo na urgência que é apenas um quinto”, explica.
Para estes internos de Medicina Interna está a falhar a formação, bem como as condições de segurança mínimas para os utentes.
Relatam casos de ‘burnout’ e de enfermarias com 120 a 150 camas entregues a um interno, grupo de médicos que esta manhã o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, considerou que não podem continuar a ser vistos como os “escravos do sistema”.
Pedro Maia Neves, interno do terceiro ano no Hospital de Santo António, no Porto, vai ainda mais longe e denuncia: “Estamos a fazer tarefas que não deviam ser nossas. Estamos a ser equiparados a especialistas sem o sermos”.
Para Pedro Maia Neves, o “sim por amor à camisola” dito “com muito orgulho” nos anos de pandemia da covid-19 “não é aceitável eternamente”.
“A mudança que é necessário fazer está a ficar esquecida. Temos de pensar em como tornar estas carreiras atrativas. O nosso foco é trabalhar junto das populações”, conclui.
Da reunião desta amanhã vai resultar um resumo a entregar “em princípio” na terça-feira à ministra da Saúde.
Segundo a Ordem dos Médicos, o total de médicos internos de Medicina Interna que assinou até a carta enviada a Marta Temido corresponde a “quase 50% dos médicos internos” do país que são 1.061.
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