Educação
Professora com 50 anos vive num quarto para poder dar aulas
O recomeço das aulas significa para muitos professores afastarem-se das famílias e viverem em condições precárias, como Ana Rita que já é avó e vive sozinha num quarto alugado na Buraca, na Amadora.
Ana Rita é professora do 1.º ciclo e no ano passado entrou finalmente para os quadros. Aos 49 anos ficou numa escola do bairro da Buraca, na Amadora, a 300 quilómetros de casa.
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Natural de Viseu, tentou dar aulas na região, perto da família, mas as dívidas aumentavam de dia para dia. “Num ano tive um horário de sete horas por semana e, no seguinte, um horário de cinco horas, sendo que recebia menos de cinco euros à hora”, recordou, contando que tentou arranjar trabalhos em part-time mas, no final do mês, levava para casa cerca de 300 euros.
A solução foi aceitar uma vaga onde mais faltam professores: nas escolas do sul do país. Ana Rita já tinha estado sete anos na zona de Lisboa e um ano em Portimão, sempre em quartos arrendados.
“Costumo dizer que há estudantes da faculdade que estão melhores do que eu. Acho que já merecia, eu e muitos outros, um bocadinho mais de respeito”, lamentou a docente, sublinhando que teve de deixar o filho com os avós em Viseu para poder continuar a dar aulas.
Ainda tentou, sem sucesso, levar o filho: “Disse-lhe para vir, mesmo tendo de ficar num quarto improvisado, mas não quis, já estava a ficar crescido”, recordou a mãe, que vive agora com o peso de ter visto o filho abandonar os estudos antes do tempo.
Ana vive num quarto no bairro da Buraca, na Amadora, e prepara as aulas na cozinha ou no quarto, porque “a casa não tem sala”.
“Sujeitei-me a muita coisa porque sempre acreditei que um dia teria alguma compensação, mas o tempo passa e eu ponho-me a olhar para trás e a questionar: Quando é que isto vai acabar?”, desabafou.
Para trás ficaram 18 escolas de norte a sul do país e “14 quartos aqui e ali”.
“Já cheguei a acordar em quartos e perguntar-me: ´Onde é que eu estou?! Alto, lembras-te que alugaste um quarto ontem´. É um desgaste enorme”, contou.
Além da falta de condições, Ana Rita sente-se muitas vezes sozinha: “Às vezes, é chegar a casa, ao quarto e estamos ali na nossa solidão. Ao telefone, vamos acompanhando a nossa família e depois é a correria de fim-de-semana”.
Todas as semanas faz, religiosamente, 300 quilómetros para estar com os pais, o filho e os netos.
Nessas viagens, quase sempre de transportes públicos ou em boleias partilhadas, conhece histórias “ainda piores”.
“Tenho colegas com crianças pequenas que choram e têm pesadelos, porque a mãe vai embora e elas ficam com o pai ou com os avós. Quantos anos é que as pessoas vão andar nisto?”, questionou.
Elisabete Rodrigues desistiu este ano, depois de dois anos a dar aulas em Lisboa, longe dos dois filhos, agora com quatro e 14 anos.
“Coloquei a família em primeiro lugar e abandonei a profissão”, contou à Lusa a professora de Matemática do 3.º ciclo e ensino secundário, uma das disciplinas com mais falta de docentes.
Elisabete viveu num quarto alugado no bairro do Lumiar, em Lisboa, a 400 quilómetros de casa, em Viana do Castelo.
Também de Viana do Castelo, Carla Rodrigues, 46 anos e 20 de experiência profissional, conseguiu ficar este ano perto de casa, no Agrupamento de Escolas de Monserrate, depois de quatro anos numa escola em Agualva-Cacém, em Lisboa.
Também esteve separada dos filhos – agora com 18 e 12 anos – e também viveu em quartos, já que o ordenado de cerca de 1.100 euros não lhe permitia pagar uma renda superior a 350 euros.
Arrendar um apartamento para poder estar com a família é financeiramente inviável, dizem as professoras com quem a Lusa falou.
Quem começa por procurar apartamentos, depressa descobre que “o céu é o limite”, contou à Lusa Vasco Barata, da Chão das Lutas – Associação pelo Direito à Habitação, lembrando que um T0 pode custar 900 euros e um T3 passar os dois mil euros. À associação chegam cada vez mais relatos de professores desesperados.
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