Cidade
Professor de Coimbra prevê que Portugal volte a assistir a momentos de forte mobilização popular
Quarenta anos depois do 25 de Abril e impulsionados pelas políticas de austeridade, pelo desemprego e pela pobreza, os portugueses voltaram às ruas, protagonizando, ainda que pontualmente, momentos de “intensa mobilização”.
A análise é do investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Elísio Estanque, que traçou em entrevista à agência Lusa o retrato das últimas quatro décadas dos movimentos sociais em Portugal.
No período pós 25 de Abril de 1974, despontou “uma série de dinâmicas e movimentos sociais de vários tipos em Portugal”, que se foram esbatendo ao longo dos anos.
“O que aconteceu ao longo dos últimos 40 anos foi uma institucionalização da democracia que conduziu a uma regulação maior da democracia representativa”, disse o sociólogo.
O próprio movimento sindical, que terá sido o motor principal das dinâmicas do pós 25 de Abril, institucionalizou-se e foi-se ajustando às lógicas da democracia formal.
“Tirando esse período extraordinário de experiência democrática nessa primeira fase do pós 25 de Abril, Portugal não é particularmente rico em movimentos sociais muito fortes, nem sequer muitos radicalizados”, salientou Elísio Estanque.
No entanto, nos meados dos anos 80, houve algumas “experiências marcantes”, como o aparecimento de movimentos ambientalistas que protagonizaram alguns “momentos intensos” na luta contra o nuclear.
Os movimentos feministas também surgiram de “uma forma algo atabalhoada” e “muito misturados com as ações do campo sindical”.
Analisando o período mais recente, desde o último governo PS, liderado por José Sócrates, Elísio Estanque disse que Portugal tem assistido “a vários momentos de intensa mobilização popular, muito à margem das organizações tradicionais, dos partidos políticos e dos sindicatos”.
Esta mobilização foi motivada pelas sucessivas medidas de austeridade e pela entrada da ‘troika’ em Portugal, na sequência da ajuda financeira que tem estado a ser prestada a Portugal, desde 2011, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia e Banco Central Europeu.
Apesar de serem “relativamente pontuais, tivemos algumas experiências que foram marcantes e intensas”, disse Elíso Estanque, apontando a manifestação “Geração à Rasca”, que aconteceu a 12 de março de 2011 e reuniu 300 mil pessoas em todo o país.
“Foi realmente uma experiência inovadora neste contexto de crise e nos países do sul da Europa”, que aconteceu na sequência de ações que tinham ocorrido na Grécia.
Esta mobilização portuguesa teve continuidade com o movimento dos indignados em Espanha e, posteriormente, com o movimento de protesto Occupy Wall Street, que nasceu em Nova Iorque para protestar contra as desigualdades económicas e sociais.
“É uma nova geração de movimentos sociais em que Portugal também tem estado a participar, embora sejam bastantes distintos de outros movimentos de massa dos anos 60 e 70”, observou Elísio Estanque.
Estes movimentos têm outra lógica: “Lidam muito com as novas formas de comunicação”, nomeadamente as redes sociais, uma situação que é comum nos últimos anos em todos os continentes.
“São respostas das gerações mais jovens que veem negada uma perspetiva de emprego e de futuro”, explicou.
Os jovens encaram esta situação com “um sentimento de grande frustração”, porque percebem que não têm as oportunidades que os pais e avós tiveram e “não vislumbram uma possibilidade de aceder a um modo de vida, a uma situação laboral e a um projeto profissional digno desse nome”, referiu.
No caso europeu, disse ainda o sociólogo, a questão do emprego está no centro das mobilizações, mas também o “problema da subtração de alguns direitos que tinham sido consignados ao longo de muitas lutas e de muitos movimentos desde a II Guerra Mundial”.
“De repente, entrou-se em retração, em recuo, em regressão”, o que gera um sentimento de frustração, frisou.
Nas últimas décadas, surgiram novas profissões na Europa e construiu-se “uma ideia de alguma estabilidade, de alguma progressão e de alguma mobilidade social ascendente”.
“O próprio sistema, as elites governantes e dominantes foram alimentando essa ideia de que a sociedade democrática é aquela que dá oportunidades na base do mérito, do talento e das qualificações”, disse Elísio Estanque.
Contudo, nos últimos três anos esses valores têm sido “violentamente negados e retirados”, o que leva à revolta das pessoas, acrescentou.
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