Portugal
Professor catedrático diz que governos têm “muito pouca capacidade” para respostas de interesse coletivo
A sociedade atual está totalmente dominada pelas dinâmicas dos mercados e os governos têm “muito pouca capacidade” para criar respostas públicas de interesse coletivo, defendeu Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático de Filosofia Política, em entrevista à agência Lusa.
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“Os governos têm muito pouca capacidade, ou porque não têm poder efetivo ou porque os próprios sistemas políticos estão efetivamente ao serviço das lógicas de mercado”, sustentou.
Na opinião de Viriato Soromenho-Marques, persiste o erro de se esperarem soluções de mercado para problemas que o próprio mercado cria: “É uma ilusão e nós estamos a pagar muito e vamos pagar ainda mais esta ilusão”.
Professor de Filosofia Política e do Ambiente na Universidade de Lisboa, Soromenho-Marques considerou que a compreensão da pandemia de covid-19 e a prevenção de futuras pandemias terá de fazer-se em várias frentes e de forma integrada, começando desde logo por uma reforma das instituições.
A atual pandemia, frisou, é um dos episódios “mais marcantes” da história recente e pôs em evidência “a ausência de um mecanismo a nível internacional” que permita “monitorizar o advento” de situações destas, do ponto de vista da saúde pública, uma matéria de segurança para a humanidade.
“Não temos uma Organização Mundial de Saúde [OMS]equipada para prevenir este tipo de situações”, disse.
Ao traçar o diagnóstico do caminho percorrido desde a I Guerra Mundial (1914-1918), o catedrático recordou que até ao final dos anos 70 do século passado existiram políticas que impediram o sistema financeiro de ganhar “demasiado poder”, desde os mecanismos criados na sequência do grande ‘crash’ da bolsa norte-americana, em 1929, a respostas sociais que se generalizaram depois da II Guerra Mundial (1939-1945).
“Eram políticas baseadas numa economia em que existia um forte equilíbrio entre as instituições políticas e o sistema económico, um forte equilíbrio favorável mais, até, ao sistema político”, acrescentou.
“Por que é que não tivemos crises financeiras durante aqueles 40 anos? Porque existiam normas de regulação bancária, os bancos tinham regras muito estritas para funcionar, existia uma política social, os países tinham forte financiamento público para a política social”, indicou.
“Tudo isso foi sendo destruído a partir do início dos anos 80 pela vitória das correntes neoliberais”, afirmou o académico, para quem a sociedade atual tem cada vez mais setores em crise e menor capacidade de resposta: “Não criámos as instituições que permitissem estar à altura dos desafios que o mercado mundial colocou, que as inovações tecnológicas colocaram e que os impactos dessa nova globalização que aconteceu a partir dos anos 80 provocaram”.
Sempre que há uma crise, como a de 2008, sublinhou, “o mundo sofre com isso”.
“O último sistema de governação global que existiu foi criado em 1944/45, o sistema de Bretton Woods, que criou as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e mais tarde o que é hoje conhecido como o Banco Mundial. Esse sistema tem sido erodido, tem sido desgastado, tem sido desvalorizado, até vilipendiado!”, referiu.
“Temos enfraquecido as instituições que garantem a capacidade de cooperação internacional, a capacidade de diálogo e a capacidade de resolução pacífica de conflitos”, observou.
De acordo com Viriato Soromenho-Marques, à crise económica e ambiental soma-se “uma crise profunda na credibilidade da informação oficial”.
A pandemia é disso um “bom exemplo”, advogou, referindo que hoje parecem existir mais incertezas do que há seis meses sobre a génese da pandemia e a OMS “já não tem a energia que tinha em 2020” para atestar tratar-se de uma transmissão zoonótica, contrariamente à teoria do acidente industrial num laboratório em Wuhan, na China, onde poderá ter ocorrido “uma fuga”. Esta hipótese, reforçou Viriato Soromenho Marques, continua “em concorrência” com a possibilidade de transmissão do vírus de uma espécie animal para o homem, passado mais de um ano de pandemia.
Também a Organização das Nações Unidas (ONU) precisaria de “um grande investimento”, um reforço “do interesse de todos os países” e que não é apenas financeiro, notou.
“Um reforço na credibilidade também, um verdadeiro saneamento, digamos assim, da ONU, quer no sentido dos seus meios financeiros, das suas competências, mas também do seu pessoal e das formas como a própria ONU é capaz ou não de combater a corrupção interna e outros sinais de perversão que existem. Em qualquer instituição humana existem esse sinais, a ONU também os tem”, assegurou, remetendo para as palavras do secretário-geral, António Guterres, quando tomou posse: “Quando entrou em funções, disse que seria preciso passar alguns anos a tratar da casa. Se lhe perguntar hoje se a casa está tratada, ele vai dizer que não está tratada”.
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