Opinião

Portugueses, [inserir longo vácuo]. Boa noite e obrigado.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 11 meses atrás em 06-01-2024

No dia de Ano Novo, Marcelo falou. Bem, falar, ele fala sempre, mas desta vez discursou. Solenemente, como o momento tradicionalmente aconselha. As televisões e as rádios transmitiram, os jornais e os sites replicaram. Os comentadores, ao seu jeito, comentaram. Ao seu jeito, que é como quem diz, para fazer o jeito ao seu quadrante político, algo que não surpreende porque já todos sabemos que são muito poucos os que são convidados para estes palcos pelas suas próprias ideias.

Já entre os partidos, quase todos adoraram: o PS defendeu que o Presidente esteve bem ao alinhar com o discurso do Governo; o PSD elogiou o realismo e a esperança da mensagem; o Chega até baixou a habitual vozearia e classificou o discurso como simples e coerente; a Iniciativa Liberal relevou o nível de exigência apresentado; o Bloco de Esquerda aplaudiu o apelo ao voto; o PCP acompanhou a ideia de mudança transmitida; só o Livre ficou como está no Parlamento, sozinho, articulando simplesmente um «Meh».

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Sinto que a minha análise teria provavelmente sido a mesma de Rui Tavares, caso tivesse permanecido acordado enquanto o Presidente da República lia a sua mensagem. É evidente que já ouvi outros discursos igualmente enfadonhos, redondos e maçudos, compilações de lugares-comuns que nos fazem não sair do lugar, coletâneas de ideias que são simultaneamente uma coisa e o seu contrário. Mas se isso não me aflige quando acontece no concurso de Miss Universo, chateia-me um pouco – minto, chateia-me mesmo muito – quando essas palavras saem da boca do “mais alto magistrado da Nação”…

Já quanto aos comentários e reações, confesso que são uma espécie de guilty pleasure. Diverte-me bastante tentar adivinhar o que determinado comentador irá dizer ainda antes de lhe escutar qualquer palavra. É raro não acertar e nem me considero especialmente inteligente ou perspicaz, o exercício é que não é particularmente exigente. No final de contas, é só aplicar ao comentário político o mesmo raciocínio que deve ser usado ao assistir a programas sobre bola (não confundir com programas sobre futebol, que praticamente já nem existem): todos vão dizer que o golo não foi com a mão, se tiver sido marcado pela sua equipa.

Há tempos, decidi arriscar um pouco mais neste jogo que faço comigo mesmo e procurar antecipar a análise de um alegado especialista, de quem nunca tinha ouvido fazer, só a partir do seu nome. Senti-me bastante confiante porque ele tinha dois apelidos unidos por um ‘de’, o que sei que provavelmente diz bastante sobre os meus preconceitos, mas o facto é que não me desiludiu. Valeu pela emoção do desafio, mesmo que breve.

Mas afinal, o que disse Marcelo? Começou por saudar toda a gente, em Portugal e no estrangeiro, o que pelo menos é inclusivo. Explicou-nos que as guerras são más e têm consequências que não são boas. Que é melhor ter dinheiro do que ter dívidas. Mas que o dinheiro é para gastar, desde que seja bem gasto (confesso que me fez lembrar o clássico da caridadezinha, «Tome lá, mas agora não gaste tudo em vinho»). Esclareceu que, em democracia, é o povo que decide… E pronto. Boa noite e obrigado. Português que se tenha sentido inspirado por estas palavras, provavelmente também seria capaz de mudar a sua postura perante a vida seguindo as ideias de uma qualquer Susana Torres. Mas verdade seja dita que nem todos podemos ter a eloquência do Éder.

O que é pena. Tivesse Marcelo demonstrado essa capacidade e pelo menos teria sido feriado no dia 2.

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Opinião | Pedro Santos – Especialista em comunicação

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