Opinião
Por favor, não me obriguem…
Em 2024, inserido numa conjuntura mundial que justifica um debate sobre a defesa, o mundo ocidental volta a discutir a necessidade de um serviço militar obrigatório. Compreendo, e até apoio, a promoção deste debate em grandes nações europeias como a Grã-Bretanha, França, Alemanha ou Espanha.
Mas em Portugal? Será mesmo necessário fazer este debate? Seremos nós, nação valente, capazes de fazer a diferença se a Europa conhecer um cenário de guerra declarada?
Independentemente do impacto que as nossas bisnagas e canivetes possam vir a ter num conflito global, presume-se que, nos próximos tempos, assistiremos a uma reflexão alargada que colocará os académicos a estudar, os comentadores a comentar e os políticos a decidir. A mim, para já, só me tem levado a temer, e a temer muito.
A perspetiva de me ver obrigado a fardar e a correr para o campo de batalha tem me suscitado um temor que, por enquanto, me afasta dos argumentos e da reflexão a que esta questão obriga. Bem sei que ainda é muito prematuro, mas estou seguro em afirmar que eu, Bernardo, não serei muito útil num campo de batalha. E nem se trata de cobardia. Eu explico…
Primeiro: tenho pouca ou nenhuma experiência em matéria de porrada, condição que me separa dos verdadeiros guerrilheiros e dos militares competentes.
Segundo: nem sequer estou em boa forma física — não sei se suportaria a imagem dos meus camaradas a sucumbir em combate enquanto a minha pança me impedia de protagonizar correrias e malabarismos que os pudessem salvar.
Terceiro: Nunca gostei particularmente de violência. A menos que esta venha descrita num livro ou revelada num filme – aí sim, a violência pode até ser divertida -, acho-a absolutamente dispensável.
Quarto e último argumento: tenho algum receio de partir os dentes todos – os meus, claro -, numa imagem que se repete no meu subconsciente desde a minha
adolescência e que me provoca pesadelos recorrentes, que, invariavelmente, terminam comigo totalmente indefeso e, claro, desdentado.
Revelo estes argumentos sem qualquer resquício de orgulho. Nos anos 90, um miúdo que não apreciasse ou aplicasse violência era rapidamente qualificado como “maricas” – perdoem-me os homossexuais, mas, no meu tempo, era assim que se insultava um colega no recreio. Esta realidade fazia com que eu, um jovem pré adolescente e, por isso, em estreita convivência com a minha pulsão sexual, vivesse deslocado, na rara condição que concilia a heterossexualidade e a “mariquice” de não querer “andar à porrada”.
É, pois, óbvio que a minha desqualificação para o serviço militar se mostrara já na minha adolescência, período em que nunca revelei qualquer talento para o Halo ou o Counter-Strike, jogos virtuais que me pareciam antecâmaras modernas para testar capacidades bélicas como degolações repentinas ou tiros à queima-roupa.
Em miúdo, mesmo que me empenhasse em eliminar os meus inimigos naqueles campos de batalha virtuais, áridos e hiper-realistas, era sempre, por larga margem, o pior jogador.
Era o protótipo do soldado temeroso, de mira pouco certeira e com um desleixo incorrigível na troca de armas – ainda que conseguisse surpreender algum adversário, o tempo que demorava a guardar a espingarda e a manusear a faca era suficiente para, invariavelmente, acabar, eu mesmo, degolado. E no papel de terrorista – papel permitido pelo jogo Counter-Strike -, era um fanático desajeitado, sem qualquer engenho para ativar bombas ou espalhar o terrorjunto das populações.
Perante esta falta de talento, e frustrado com as péssimas performances que colocavam em causa o sucesso das minhas equipas, milícias bem organizadas compostas por amigos de pontaria certeira, cedo abandonei as LANs e dediquei o meu ócio ao FIFA.
Hoje, admitindo que as várias horas dispensadas no simulador futebolístico serão pouco úteis em contexto militar, compreendo que o tempo que dispensei nestas jogatanas não aperfeiçoou as qualidades que me poderiam habilitar para o combate em Donetsk ou em Gaza. Porventura, se a NATO organizar torneios de FIFA entre ucranianos e russos, talvez eu possa dar-lhes uma dica ou outra. Para além disso, acho difícil garantir qualquer outro contributo remotamente eficaz.
Ora, se Caetano Veloso cantava que “é proibido proibir”, eu afirmo que É PROIBIDO OBRIGAR. E acrescento, ainda, que É PROIBIDO OBRIGAR-ME, A MIM, A IR PARA A GUERRA. Pelo menos a mim, que sou um confesso maricas sem jeito para a porrada. Vá lá, por favor… não me obriguem!
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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