Portugal
População de São Jorge lembra sismos do passado e prepara-se para o pior
Na freguesia de Santo Amaro, na ilha açoriana de São Jorge, uma das mais afetadas pela crise sísmica, a população está apreensiva e preparada para sair de casa, devido ao cenário que lembra catástrofes do passado.
No centro da freguesia com 790 habitantes e 21,23 quilómetros quadrados, localizada no concelho das Velas, as pessoas procuram fazer a rotina habitual, mas o ambiente é de apreensão devido à crise sísmica que está a assolar a ilha, onde desde terça-feira e até à manhã de hoje já se tinham sentido 20 sismos.
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“Ando numa agonia medonha”, começa por dizer à agência Lusa Maria José, sentada na entrada da Casa de Povo de Santo Amaro.
Apesar de não sentir nenhum sismo desde sábado, Maria José está “sempre com o ouvido à escuta” e preparada para abandonar a freguesia porque “mais vale prevenir do que remediar”: “A minha mala está no carro. Eu estou a pensar sair. Tanto posso ir para a Terceira ou ir para o Pico. Há de ser o que Deus quiser”.
O clima de ansiedade faz lembrar desastres do passado: a crise sísmica de 1964, que obrigou à retirada de cinco mil pessoas da ilha; o sismo de 1980, o mais devastador dos últimos 200 anos no arquipélago, com magnitude de 6,9 na escala de Richter; e o sismo de 1998, de magnitude 5,8, que causou profundos estragos nas ilhas do Faial, Pico e São Jorge.
“Em 1964 fomos todos para a Calheta [o outro concelho da ilha]. Era eu e o meu irmão mais velho, o meu pai com um ao colo e a minha mãe com outro. Depois, uma solução foi evacuar o pessoal e aí a gente foge para a Terceira”, lembra Maria José, que tinha 6 anos nessa altura.
Em 1980 e 1998 também houve “muita destruição”. Acontecimentos que fazem hoje a “população estar mais alerta” para as crises sísmicas como a atual.
Ao lado, a presidente da Casa do Povo, Celeste Brasil, diz que já existem muitas pessoas a sair de São Jorge e ela própria está a equacionar abandonar a ilha para “ver se isso acalma”. Uma decisão que não é fácil porque é “difícil deixar tudo para trás”.
“Eu ando com uma mala dentro do carro, com os medicamentos e outras coisas, para se houver alguma coisa eu poder ir embora. (…) Acho que vou descansar o juízo dois ou três dias ao Pico para ver se isso acalma mais um bocadinho e para ver o que vai acontecer”, afirma.
O casal José e Aldina Sousa, que moram em frente, encaram a situação de maneira diferente: enquanto ela está com “muito medo”, ele está “tranquilo”.
“A gente já passou por isso em 64”, assinala Aldina Sousa, que se lembra da caminhada de quatro horas que teve de fazer naquele ano, com oito anos, para chegar a um “sítio seguro”, a freguesia do Norte Grande, antes de rumar ao concelho da Calheta.
O rasto de destruição daquele tempo permanece na memória dos habitantes de uma freguesia que teve de ser “toda reconstruída”.
“Eu passei aquilo tudo. Passei o de 64, passei o de 80, passei 98. Isso é o nosso dia-a-dia nos Açores. A nossa ilha aqui e o nosso concelho sofrem com isso. Eu, por enquanto, não penso sair daqui. Quanto muito vou para o outro lado [da ilha]. Vamos ver o que isso vai dar”, acrescenta o marido, enquanto a mulher diz “estar a preparar umas malas” caso seja necessário abandonar o local.
A gerente do café mais concorrido do centro da freguesia, Sandra Carvalho, cujo estabelecimento tem o seu nome, não está “nada preocupada”, mas não vai hesitar “um segundo” se tiver de sair do concelho das Velas: “o que tiver de ficar para aí fica”.
Ainda assim, a jorgense apela a uma “melhor informação”, porque a “população não sabe” o que se está a passar.
“O problema maior é não ter informação nenhuma. Eles também não a devem saber para dar. Mas o problema é que a população não sabe o que fazer. Deviam explicar melhor a situação”, assinala.
Pela freguesia, as pessoas procuram fazer a vida normal, mas não há conversa que não passe pela crise sísmica.
No café de Sandra Carvalho, José Rosa faz uma pausa no trabalho para lembrar quando “acordou em pânico” devido ao sismo de 1998.
A situação daquela altura faz lembrar os dias que correm: “Claro que estou preocupado. Só esta noite senti cinco ou seis sismos. Não dormi. A população está preocupada. Procuramos trabalhar. Não penso sair da freguesia, só numa emergência. Tenho muito trabalho aqui. Eu ordenho vacas. Tenho de tratar das vacas e as vacas têm de comer”, afirma o agricultor, antes de concluir: “há de ser o que Deus quiser”.
A atividade sísmica que se regista desde a tarde de sábado na ilha de São Jorge, nos Açores, “continua acima do normal”, tendo sido “sentidos 20 sismos” desde a noite de terça-feira e até hoje de manhã.
Na terça-feira, o Governo Regional dos Açores anunciou que está a preparar cenários de retirada de pessoas da ilha de São Jorge, caso a crise sísmica se agrave.
Hoje, o presidente da Câmara Municipal das Velas, Luís Silveira, revelou que foram mobilizados mais meios aéreos para a eventualidade de serem necessários, além de um navio.
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