Opinião

Pelo Bobi, lutar!

Notícias de Coimbra | 10 meses atrás em 20-01-2024

A notícia chegou de forma surpreendente e, qual seta afiada, cravou-se no coração do orgulho pátrio: Bobi, o rafeiro alentejano que ostentava o estatuto de ‘cão mais velho de sempre’, viu aquele título ser suspenso pelo Guinness World Records por causa de dúvidas sobre a sua verdadeira idade. E agora? Podemos continuar a sentir-nos portugueses da mesma forma? Qual o lugar deste galardão no ranking das grandes conquistas nacionais? E na eventualidade de se tratar mesmo tudo de uma elaborada fraude, pode esse facto substituir o Bobi naquele ranking?

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Creio que este caso me permitiu finalmente empatizar com os nacionalistas mais fervorosos e aperceber-me da enorme fragilidade da sua posição, incapazes de controlar os fatores que lhes conferem razões de ser e de viver. Afinal, uma coisa é – como brilhantemente definiu George Bernard Shaw – acreditar que o nosso país é o melhor do mundo só porque nascemos nele, mas outra bem diferente é ter essa crença baseada na data de nascimento de um canídeo. Por mais simpatia que as fotografias do pachorrento Bobi possam despertar, parece-me manifestamente curto para tão definitiva convicção.

Mas talvez não seja mais insuficiente do que muitas outras razões que são frequentemente apontadas para nos sentirmos orgulhosos da nossa grandiosa nação…

Uma das que me causa mais perplexidade são aqueles prémios de “melhor destino turístico do mundo”, e nem é por a sua credibilidade ser tanta que até já um presidente da associação hoteleira do Algarve chegou a dizer que eram todos comprados. É mesmo porque não posso aceitar que a medida do meu orgulho em ser português seja determinada por uma atividade que tornou impossível para muitos portugueses continuarem a viver onde sempre viveram.

Também não me convence o patriotismo futeboleiro, sobretudo porque me baralha. O Cristiano Ronaldo é um dos melhores jogadores de sempre, não discordo, mas já me senti muitas vezes pressionado para hiperbolizar as suas conquistas pelo simples facto de partilharmos a nacionalidade, como se o Cristianismo – e não estou a falar da religião, pelo menos não dessa – estivesse inscrito na Constituição. Mas quererá isto dizer que devemos idolatrar todas as facetas do jogador madeirense? Elevar o individualismo e o egocentrismo a matérias lecionadas nas escolas? E se eu preferir o Bernardo Silva ou o Bruno Fernandes, sou um português menor?

Claro que o maior e mais usado argumento para justificar o patriotismo luso são os Descobrimentos, mas, nesse caso, as minhas reservas começam logo com a própria designação: é tão absurda como aquele amigo que nos diz que descobriu um restaurante novo que já está aberto há anos. Ainda por cima, é como se esse amigo insistisse em voltar lá com um grande grupo de convivas que discutem com o chef e com os empregados de mesa para lhes explicar como podem ter um restaurante melhor e acabam a noite a saquear o espaço.

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Mas voltando ao Bobi, que não tem culpa nenhuma de que precisemos, enquanto povo, de ter as melhores praias, a melhor gastronomia, os melhores monumentos ou, claro, as melhores pessoas. Na verdade, gosto do conceito do Bobi como símbolo da portugalidade: acredita-se que o rafeiro alentejano tem origem em diversas raças caninas que foram chegando à Península Ibérica e se há ideia que aprecio é que ser português é ser uma mistura complexa de diferentes grupos étnicos e influências culturais, resultado de um processo feito de assimilação e síntese que é a sua verdadeira (eventualmente única) riqueza. Não que isso lhe importe, ao Bobi, sobretudo porque está morto. Ao contrário do nacionalismo, mas esse é outro assunto.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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