Pedro Nuno Santos não quis demitir-se do cargo de ministro das Infraestruturas depois de ter desafiado António Costa com o despacho sobre a localização do aeroporto em Alcochete, e a sua retratação foi o preço a pagar para se manter no Governo.
A revelação é feita no livro da jornalista do Público Ana Sá Lopes sobre o atual líder do PS, “Na cabeça de Pedro Nuno Santos”, acrescentando que o despacho, publicado em 29 de junho de 2022 e revogado no dia seguinte por ordem do primeiro-ministro, era do conhecimento prévio da ANA [Aeroportos de Portugal], da Ordem dos Engenheiros e do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas.
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Na altura, escreve a jornalista, Pedro Nuno – o nome por que é conhecido desde sempre no PS – não queria sair do Governo, “por considerar que o ‘seu povo socialista’ não acharia isso uma ideia boa”.
Para tanto, o atual líder do PS dispôs-se a uma cena que a jornalista descreve como de “auto-humilhação, poucas vezes registada nos anais da política portuguesa” e “um ato de contrição penoso”, no qual Pedro Nuno assume “uma falha relevante”, que atribui à sua impulsividade, à “vontade de querer concretizar, de querer realizar”.
A publicação do despacho é, na opinião da jornalista, muito mais grave do que o caso da indemnização à ex-administradora da TAP Alexandra Reis e foi o “ponto de não retorno” da relação entre António Costa e Pedro Nuno Santos.
O livro tem o mérito de sistematizar a informação sobre o novo secretário-geral do PS, não só o seu percurso pessoal como o seu pensamento político e ideológico sobre os mais diversos temas, as lutas dentro do partido a que aderiu em 1991, aos 14 anos (a mesma idade de António Costa quando por sua vez aderiu ao PS), o apoio a este e a rutura entre ambos e a sua experiência governativa, com destaque para a TAP (“o veneno quase fatal”) e a geringonça.
Recuando aos tempos da faculdade – Pedro Nuno Santos é licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – a jornalista acentua que é aí que ele cimenta amizades com um círculo politicamente heterogéneo de amigos íntimos, nenhum deles do PS. A exceção é Duarte Cordeiro, atual ministro do Ambiente de António Costa.
É desse tempo que data a sua sólida amizade com José Gusmão, também economista e hoje dirigente do Bloco de Esquerda e deputado ao Parlamento Europeu (na faculdade militava no PCP).
Neste âmbito, a jornalista destaca o pensamento de Pedro Nuno sobre a Europa, de cujo desenho institucional sempre se manifestou crítico, bem como da economia liberal, dois assuntos que colocou a par em várias das moções com que se candidatou a dirigente nas estruturas do PS.
Definindo-o como “profundamente europeísta”, Ana Sá Lopes cita a moção do então jovem líder candidato à Federação de Aveiro em 2012.
É já aí que ele defende “um federalismo democrático para a União Europeia”, uma união política “construída a partir do Parlamento Europeu” para mudar “esta Europa”, ligando o “debate sobe o futuro da arquitetura económica e institucional da UE” ao “debate sobre o futuro do movimento socialista europeu”.
Pedro Nuno sempre foi também muito crítico da chamada “terceira via” – nome dado à corrente do socialismo democrático criada pelo britânico Tony Blair e acompanhada, no plano nacional, por António Guterres e José Sócrates – por considerar que ela é uma “carapaça do neoliberalismo”, que levou a “um retrocesso da social-democracia”.
Sobre o percurso posterior de Pedro Nuno Santos, já como membro dos governos de António Costa, a jornalista assinala que ele nunca foi seu delfim e que a rutura entre ambos se vai desenrolando ao longo de vários episódios.
O Congresso da Batalha, em 2018, foi o primeiro deles. António Costa acabou então a dizer que ainda não tinha metido “os papéis para a reforma” perante os termos abrangentes da moção defendida pelo então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares
A discordância relativamente às presidenciais, em 2020 – Pedro Nuno defendia que o PS tivesse uma candidatura autónoma, contra o apoio a Marcelo que alguns socialistas já manifestavam – foi outro desses episódios. Pedro Nuno acabou por apoiar publicamente Ana Gomes.
As discussões no Conselho de Ministros também ajudaram a degradar a relação: “parece que não eram cenas bonitas de se ver”, escreve Ana Sá Lopes, comentando que Pedro Nuno, “na hipótese de vir a ser nomeado primeiro-ministro, odiaria, por certo, que lhe saísse um segundo Pedro Nuno na rifa”.
Quanto ao programa económico que, hoje, o candidato a primeiro-ministro vai apresentando ao país, Ana Sá Lopes diz que a sua raiz está na moção do Congresso da Batalha, na qual fica clara a defesa da intervenção do Estado na criação de inovação na economia.
Esse papel é definido pelo próprio como uma “missão coletiva” entre o Estado e o setor privado: no fundo, diz a jornalista, “uma outra fórmula de parcerias público-privadas”.
Quanto à atual candidatura e ao apoio de Francisco Assis, que muitos consideraram estranho pela divergência de posições dentro do PS, a jornalista radica-o na amizade de ambos, cimentada “na adversidade comum” e de estarem ambos fora do “universo de eleitos de António Costa”.
O livro de Ana Sá Lopes faz parte de uma trilogia editada pela Zigurate, e que inclui também títulos idênticos por jornalistas sobre os líderes do PSD, Luís Montenegro, e do Chega, André Ventura, que estarão à venda no início de fevereiro.
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