Cinema
Parasitas e vozes femininas marcaram os Óscares numa Hollywood em transição
A 92.ª edição dos Óscares entrou para a história como a primeira que atribuiu a estatueta de Melhor Filme a uma produção em língua não inglesa, num momento de transição em que abundaram os pedidos de maior diversidade.
“Parasitas”, do sul-coreano Bong Joon-ho, foi a vitória que mais surpreendeu a audiência de uma indústria que se reuniu em peso no Dolby Theatre, de Los Angeles, motivando uma ovação de pé na sala de entrevistas por onde passaram os vencedores.
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O título saiu da cerimónia com quatro Óscares, sagrando-se nas categorias de Melhor Filme, Melhor Realização (Bong Joon-ho), Melhor Filme Internacional e Melhor Argumento Original.
Na categoria de Melhor Argumento Adaptado, a Academia premiou Taika Waititi, por “Jojo Rabbit”, um filme que o argumentista considerou ser uma “resposta ao ressurgimento da intolerância e discurso de ódio”.
“No final da guerra havia uma regra clara, quem era nazi ia para a prisão. Agora, as regras mudaram e quem é nazi faz manifestações e chama os companheiros”, disse Waititi no encontro com a imprensa, nos bastidores da cerimónia. “Esta é a altura perfeita para um filme como este. Sinto que se tornou mais importante e relevante hoje”.
Ao longo da noite, várias vozes femininas pediram maior diversidade e abertura na indústria, depois de a Academia ter sido criticada por ignorar mulheres realizadoras e atores não brancos.
Hildur Guðnadóttir, que ganhou o Óscar para Melhor Banda Sonora Original em “Joker”, disse que está na altura de abrir a indústria a mais mulheres. Julia Reichert, que venceu o Óscar de Melhor Documentário por “Um Fábrica Americana”, com Steven Bognar e o produtor Jeff Reicher, além de apelar ao sindicalismo, à união dos trabalhadores, também afirmou que as mulheres devem ajudar-se mutuamente e já não precisam de se encaixar no patriarcado. Laura Dern considerou que há agora papéis mais entusiasmantes para as atrizes, e que há alguns anos não teria tido a oportunidade de interpretar mulheres tão poderosas.
Joaquin Phoenix, que levou o Óscar de Melhor Ator Principal por “Joker”, não passou pelos bastidores para dar entrevistas, mas usou o seu discurso para abordar várias causas.
Phoenix considerou que “o maior presente” que lhe foi dado, assim como aos seus colegas, foi “a oportunidade de usar a voz pelos que não têm voz”.
“Se falamos de desigualdade de género, racismo, direitos ‘queer’, direitos indígenas ou de direitos dos animais, estamos a falar de luta contra a injustiça”, contra “a crença de que uma nação, um povo, uma raça, um género ou uma espécie tem o direito de dominar, controlar e usar e explorar outra sem impunidade”, afirmou, sem deixar de acusar a exploração de vacas para produção de leite e a “cultura do cancelamento”.
“Estamos no nosso melhor quando nos apoiamos, não nos anulamos, nos ajudamos a crescer, quando nos educamos e nos redimimos”, prosseguiu, aludindo, por fim, a seu irmão River Phoenix, o ator que morreu em 1993, aos 23 anos, para deixar uma mensagem de redenção, porque a ela “se seguirá a paz”.
O ator ganhou sem surpresas, tal como os outros vencedores nas categorias de representação: Renée Zellweger venceu o Óscar de Melhor Atriz Principal por “Judy”, e Laura Dern levou a estatueta de Melhor Atriz Secundária por “História de um Casamento”, enquanto Brad Pitt abriu a cerimónia vencendo na categoria de Melhor Ator Secundário, por “Era Uma Vez… em Hollywood”.
É também de Brad Pitt a primeira afirmação política da noite, quando disse, ao receber o Óscar de Melhor Ator Secundário, que os 45 segundos que a Academia lhe dava para agradecer, eram “45 segundos mais do que o Senado tinha dado ao embaixador John Bolton”, como testemunha no processo de ‘impeachment’ de Donald Trump.
A seguir, nos bastidores, confessou-se “realmente dececionado” com o resultado da semana passada, porque “quando o espírito de ‘jogada’ supera o que é certo, é um dia triste em que não se deve deixar de pensar”.
Zellweger, por seu lado, a propósito do legado de Judy Garland, recordou os heróis que unem: “Os melhores entre nós que nos inspiram a encontrar o melhor em nós mesmos”, como Neil Armstrong, Bob Dylan, Martin Scorsese ou a abolicionista Harriet Tubman, “os nossos professores os nossos homens e mulheres corajosos de uniforme, os nossos socorristas e bombeiros. E quando celebramos os nossos heróis, lembramo-nos de quem somos, como um povo, isso une”, concluiu a atriz.
Dos nove títulos que concorreram ao Óscar de Melhor Filme, todos receberam pelo menos uma das estatuetas para que estavam nomeados à exceção de “O Irlandês”. O peso-pesado de Martin Scorsese e da Netflix tinha 10 nomeações mas não ganhou em qualquer categoria.
Ainda assim, o serviço de ‘streaming’ conquistou duas estatuetas, uma por “Marriage Story” e outra por “Uma Fábrica Americana”, que ganhou o Óscar de Melhor Documentário em longa-metragem.
Da lista de surpresas na noite consta, além de “Parasitas” e Bong Joon-ho como Melhor Realizador, a vitória de “Toy Story 4” como Melhor Filme de Animação (longa-metragem), contra os favoritos “Klaus” e “Missing Link”.
Nas categorias técnicas, reinou o drama histórico de Sam Mendes “1917”, com vitória em Melhor Fotografia, Melhor Mistura de Som e Melhores Efeitos Visuais. “Le Mans ’66: O Duelo” levou a dianteira em Melhor Edição de Som, e “Era Uma Vez… em Hollywood” teve a Melhor Cenografia. A Melhor Canção Original foi “(I’m Gonna) Love Me Again”, de Elton John e Bernie Taupin, para “Rocketman”.
“Mulherzinhas” ficou com o Óscar de Melhor Guarda-Roupa, com a vencedora Jacqueline Durran a revelar nos bastidores que nunca viu as versões anteriores da adaptação do livro de Louisa May Alcott, do século XIX, o que inclui, entre muitas outras, a versão de George Cukor, protagonizada pela jovem Katharine Hepburn, em 1933.
“Bombshell – Um Escândalo” ficou com o Óscar de Melhor Caracterização.
Esta edição dos Óscares, a segunda consecutiva que não teve apresentador, teve porém vários momentos de entretenimento que se destacaram, como Eminem a fazer uma interpretação inesperada de “Lose Yourself”, que gerou reações na audiência e nas redes sociais.
A 92.ª edição dos prémios da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas, de Hollywood, realizou-se durante a noite de domingo, no Dolby Theatre, em Los Angeles, madrugada de segunda-feira em Portugal.
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