Em Coimbra costumo frequentar um café para ler os jornais e contrariar o pensamento insalubre que eu tenho da rotina. Por acaso, ouvi alguém da mesa ao lado dizer que “é monótono ser escritor”.
Além de monótono, também, é insatisfatório. O dia começa ordinário, porque escrevemos coisas que gostaríamos de falar. Sem garantias para o dia seguinte duas hipóteses: a memória ou o esquecimento.
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Sem dúvida, escrever é uma das experiências humanas que mais me instigam. Torno-me uma máquina de histórias, ficcionais e/ou verídicas. Tudo o que eu escrevo é o resultado de uma vida, que às vezes não passa de uma página devoluta, sem polêmica e inodora.
O saudosismo é um cenário inevitável na cultura pós-moderna. Confesso que me sinto envergonhada com o meu cérebro a funcionar ainda no século XX. O escritor e a sua monotonia sobreviverão às novas tecnologias?
O meu quintal, visto da janela, parece a aldeia do mundo. A escrita é uma regra matemática, sem equação, “o que escreves existe”, o contrário também, mas, é escrito por outras pessoas.
É irracional usar a palavra em sentidos múltiplos para defender uma causa, alinhar uma revolução, clamar um manifesto, tudo o que indica um vazio, está a literatura a preencher algo de concreto. A escrita dá vazão à sobrevivência, no que parece irreversível – o empobrecimento moral.
A arte pela qual me desdobro é a responsável pela fantástica abertura do mar vermelho, a visão da terra pelo homem da lua e a invenção de um deus capaz de salvar o homem do seu destino, ou castigá-lo por não saber usar palavras que o possam salvar.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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