A semana que passou foi particularmente difícil para quem quer acreditar que o mundo pode ser um sítio decente.
Em Loures, uma adolescente foi violada na sequência de um encontro com três rapazes que, de acordo com várias notícias são influencers (termo que se vai tornando cada vez mais sinónimo de anormais). O crime, com fortes indícios de premeditação e encenação, foi filmado e divulgado no TikTok, onde teve mais de 30 mil visualizações, uma inacreditável multidão de jovens que, entre likes e partilhas, achou tudo aquilo um bom espetáculo.
Quase ao mesmo tempo, soubemos da existência de um videojogo que incentiva à violação e ao assassinato de mulheres, só retirado da plataforma Steam depois de várias denúncias. Na mesma linha da alarvidade enquanto vertente aceitável e até admirável da cultura popular, questiono-me quantas decisões foram tomadas desde o momento da primeira e infeliz e ideia e o lançamento daquele jogo, quantas oportunidades perdidas para alguém dizer, muito simplesmente: «Isto é capaz de não ser uma grande ideia»…
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E como cereja indigesta no topo da misoginia semanal, outro influencer português, com centenas de milhares de seguidores, afirmou com ar de sabedoria que mulheres com namorado não deviam sair à noite – percebe-se que este espécime encarada a liberdade delas como condicionada pelos limites da sua própria insegurança. É, em comparação, um episódio menor, no sentido de que qualquer incêndio destruidor pode começar com uma pequena fagulha.
Três episódios, nenhum deles escondido numa cave escura de incel (outro termo que se generaliza, no caso como equivalente de Neandertal): todos foram públicos, partilhados, celebrados. A violência contra as mulheres já não está escondida: está, constantemente, em livestream.
Se alguém tinha dúvidas, 2025 está a confirmar: vivemos um novo ciclo de misoginia, em versão digital e viral. Dados recentes da ONU e do Parlamento Europeu mostram um aumento preocupante de discursos de ódio contra mulheres online, que têm vindo até a tornar-se normalizados e celebrados entre largas franjas de adolescentes. A ascensão de figuras como Andrew Tate a estatuto de ideal masculino é apenas o sintoma mais visível de um problema bem profundo: a legitimação da violência como parte do conceito de “ser homem”.
Acontece nos grupos de WhatsApp das escolas, nas contas privadas de Instagram, nos comentários do Discord. Todos estes espaços estão cheios de rapazes viciados em partilhar ou consumir vídeos degradantes, prontos a encarar o respeito como fraqueza.
Há muito que ouvimos que é preciso ensinar as raparigas a protegerem-se. Que não andem sozinhas. Que não bebam demais. Que avisem quando chegam. Que tapem o decote. Mas e eles? Quem é que os está a ensinar a não violar? A não filmar? A não partilhar? A não achar que são donos de alguém?
Educar para a igualdade não é um módulo opcional da cidadania. É a única forma de garantirmos que os nossos filhos não crescem a confundir masculinidade com violência, influência com impunidade, desejo com domínio. Não se trata de ter filhas com medo. Trata-se de termos filhos decentes.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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