Opinião
Obrigado, Universo Paralelo!
Há mais de uma semana que ando, sem sucesso, a convidar familiares e amigos para irem comigo, ao cinema, ver o novo Planeta do Macacos.
“O Reinado” é o subtítulo do mais recente filme da saga nascida nos anos 60, década em que começámos a imaginar um mundo com símios de fato e gravata e humanos de trela ao pescoço. Neste universo – pouco caridoso com a Humanidade – os macacos reinam, reduzindo os humanos ao papel de espécie submissa, incapaz de ombrear com a inteligência do mais idiota dos orangotangos.
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Nas últimas 7 décadas, os méritos do Planeta dos Macacos são tais que a saga conseguiu a proeza de colocar os espetadores – seres humanos que muito provavelmente levarão a mal a sua própria extinção – a idolatrar figuras como César, um macacão ficcional que, limpando o sebo à Humanidade, se transforma no Messias dos primatas.
O Homo Sapiens Sapiens leva nas trombas do Macaco, acaba vergado, e, ainda assim, eu gosto… envolvo-me naquele mundo alternativo e, no final, clamo pelo sucesso do herói símio sobre o vilão humano, a quem desejo uma derrota contundente e humilhante.
Perante o paradoxo de torcer contra a minha própria espécie, sou obrigado a repensar a perspetiva da existência de universos paralelos e reconsiderar o fascínio portal disrupção. Afinal de contas, se é para imaginar realidades alternativas, mais divertidas e interessantes, ou até, porventura, mais felizes, mais vale antecipar uma realidade que não acabe com a minha laia.
Distraído numa abstração que me afaste da Terra e me aproxime do Planeta dos Macacos, em dias de maior desânimo, mergulho na imaginação de um universo diferente e por lá me deixo ficar, a marinar nos entrefolhos de universos alternativos, desfrutando das idiossincrasias de realidades por mim criadas, onde só eu faço as regras e só eu posso quebrá-las. E, naquele mundo, a vida é assim:
O Jack afoga a Rose e tenta salvar-se sobre a porta de madeira do Titanic. Infelizmente, morre na mesma. Hipotermia…
O líder do CHEGA mantém, em segredo, um caso extraconjugal com um dentista cigano. Inexplicavelmente, a André Ventura, falta-lhe um dente da frente.
O Gollum sodomiza os quatro Hobbits e esconde o anel na barba do Gandalf. A trilogia Senhor dos Anéis termina em anticlímax, com uma megaoperação de buscas organizada pela PJ do Shire.
José Alberto Carvalho apresenta o telejornal em língua gestual, enquanto uma mulher traduz as notícias para português, no canto inferior direito do ecrã.
Fernando Mendes é magro, mas o Preço já não é Certo. A ‘montra final’ passa para o começo do programa e é rebatizada como ‘montra inicial’.
BREAKING NEWS: Xiitas e sunitas fazem as pazes, cantando, pelas ruas de Riade, a uma só voz, Larguemos os prefixos, irmãos. Somos todos Itas.”.
A IKEA transforma-se numa rede de pizzarias. Vende o pão, a mozarela, o fiambre, as azeitonas e os cogumelos. O cliente só tem de montar os ingredientes e cozinhar.
Em Alvalade, o Sporting é goleado pelo Nacional da Madeira. Em sinal de protesto, o clube lisboeta passa a chamar-se Sporting Clube de Portugal Continental.
O poeta Luís de Camões ressuscita, agora com os dois olhos, mas com um portentoso falo instalado na testa. Infelizmente, face à dimensão da genitália, um dos olhos acaba por estar, quase sempre, tapado.
A Inteligência Artificial sofre um revés quando o Chat GPT mete baixa médica devido a uma hérnia no servidor.
Os carros deixam de reconhecer combustíveis fósseis ou energia elétrica. São, agora, abastecidos com cuspo, e a escarreta está a 1,27€ por litro.
Um grupo de anões oprimidos organiza-se num movimento pela defesa dos seus direitos, propondo uma agenda que inclui a diminuição da altura dos degraus e a abolição de prateleiras acima de um metro do chão. O protesto é liderado pelo maior símbolo do ativismo anão: Martin Little King.
O Presidente da República de Portugal, fustigado pela descida da sua popularidade, passeia pelos jardins da capital. No meio da caminhada, tropeça, cai junto a um banco do jardim e dá uma estrondosa cabeçada na testa de um homem que se encontrava, sentado, a contemplar o Tejo. Infelizmente para ambos, era Luís de Camões.
Finalmente, passado o choque e tratadas as contusões, Luís de Camões e Marcelo Rebelo de Sousa fazem as pazes. O Presidente da República convida o poeta para sua casa, onde, mais tarde, já sentados no sofá, apaziguados e bastante cúmplices, leem, juntos, esta crónica. Os dois gargalham, histéricos, e partilham entusiasmados elogios ao autor, enquanto Cristina Ferreira, sentada no tapete da sala, rói, cuidadosamente, as unhas dos pés do Senhor Presidente, num ritmo urbano-rural próprio de quem aprendeu a roer unhas nas ruas da Malveira.
No meio da galhofa, Luís de Camões liga-me e convida-me para ir ao cinema ver o novo Planeta dos Macacos. Obrigado, Universo Paralelo!
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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