Opinião
Obrigado, Manel!
Esta não era a crónica que tinha pensado para esta semana. Nem é crónica que gostasse alguma vez de escrever. Mas o Manel morreu e não é possível escolher um outro tema.
Para mim, ele começou por ser Manuel Fernandes. Quando passei a interessar-me verdadeiramente por futebol e a sentir-me sportinguista, já o avançado se aproximava dos 40 anos e tinha saído do clube, pelo que eu não conhecia o suficiente sobre um e outro para perceber o carinhoso tratamento de Manel ou o epíteto de ‘eterno capitão’. Lembro-me meramente da piada que corria entre os adeptos, algo como «Gosto de ver os jogos do Setúbal para ver o Manuel Fernandes no chão… é que ele assim fica com as riscas da camisola na horizontal» Há ali uma dose imensa de carinho, como viria a perceber mais tarde.
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Porque naquela viagem que sempre fazemos quando escolhemos uma paixão clubística e vamos, posteriormente, procurando encontrar os pontos comuns e as idiossincrasias que a podem explicar, percebi que a grandeza que (também) me atraía nas cores verde e branca se devia a um conjunto relativamente reduzido de nomes, onde figurava obrigatoriamente o do Manel.
Avançado de rara inteligência, dotado de um instinto letal para o golo e de uma capacidade técnica apreciável, que juntava a uma garra e entrega inigualáveis, mas sobretudo um homem capaz de liderar a equipa, fosse nos momentos de glória ou nas dificuldades.
Apesar dos números individuais impressionantes (só no Sporting, foram 433 jogos e 257 golos), acredito que a sua principal característica era mesmo essa de contribuir para o coletivo, de se associar com os colegas para criar algo inesquecível – como fez com Jordão e Oliveira, num trio atacante capaz de verdadeira poesia.
Mas o seu legado não se ficou pelo campo. Fora das quatro linhas, Manel foi sinónimo de integridade, capaz de suscitar o respeito dos próprios adversários e de forjar amizades independentemente do enquadramento clubístico. Os tempos em que jogou futebol eram certamente diferentes daqueles que vivemos – como esquecer as imagens em que troca palavras de profundo respeito e desportivismo com o benfiquista Humberto Coelho, no início de um derby da época 1982/1983? – mas ele manteve-se sempre o mesmo exemplo de retidão, falível como qualquer um de nós, mas distinto num meio demasiadas vezes tomado por polémicas e desilusões.
A certa altura da história do ‘seu’ Sporting, não muito distante, instalou-se no clube um mantra que defendia que nenhum atleta é digno de admiração. “Zero ídolos”, afirmava orgulhosamente um grupo substancial de adeptos, em larga medida dominados pela megalomania e loucura de um dirigente que sonhava ser tratado, ele próprio, como ídolo único. Como se a grandeza do clube de Alvalade se fizesse de outros que não os que envergaram as cores do clube, de Francisco Stromp a Fernando Peyroteo, de Jesus Correia a Chana, de Joaquim Agostinho a Bessone Basto, de Carlos Lopes a Naíde Gomes. De Damas ao Manel.
Felizmente, esse período negro foi ultrapassado e todos nós, sportinguistas, podemos agora despedir-nos de Manuel Fernandes com um profundo agradecimento e a convicção de aquele número 9 será sempre seu. Para um rapaz de Sarilhos Pequenos, que chegou a dizer que teria ficado feliz se tivesse jogado apenas um jogo pelo Sporting, isto tem certamente toda a importância.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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