Opinião
O que fazer com a sede de uma espera?
A sede de uma espera só se estanca na torrente, canta Sérgio Godinho na sempre atual “Liberdade” e essa é uma frase que não me larga desde a primeira vez que a ouvi. E que nunca deixei de associar a outra, de Brecht, a que, de resto, aludi de passagem no meu texto da passada semana: Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
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Não tenho dúvidas de que os nossos comportamentos são sempre influenciados pelas circunstâncias que nos rodeiam, da mesma forma que elas determinam fortemente as nossas escalas de valores. Terei sempre dificuldades em avaliar a justeza das queixas de quem partilha comigo a cor da pele, a classe social, o género ou a orientação sexual, tanto quanto tenderei sempre a considerar que os oprimidos saberão mais sobre as diferentes formas de opressão de que possam sofrer do que eu. E dificilmente me convencerão de que camadas sucessivas dessa opressão não criam doses crescentes de raiva, ao ponto de se tornarem incontroláveis.
Como impedir, então, essa raiva do rio sai finalmente do leito? Como evitar que as suas águas acabem a levar os inocentes? Como não permitir que acrescente destruição à destruição já existente?
Inquietam-me as incertezas levantadas pela minha própria resposta, mas não tenho outra melhor para oferecer: com empatia. Empatia verdadeira, que nada tem a ver com a promovida por life coaches em palestras que deviam ser encaradas com a mesma severidade com que encaramos um assalto, ou por psicólogos de pacotilha que nos tentam convencer que tudo nos é permitido porque somos seres únicos e inigualáveis. A empatia de que precisamos é mesmo a original, aquela ideia radical que nos convida a sentirmos o que o outro sente, de nos colocarmos no seu lugar. A empatia de que precisamos tem um sinónimo: amor.
Não aquele sentimento (por vezes irritantemente) delicodoce frequentemente associado à palavra, mas o amor enquanto compromisso intransigente com a dignidade e a diversidade humanas. Por mais contraditório que pareça, o amor é o único caminho racional para responder à complexidade dos conflitos sociais. Certamente não é uma panaceia, mas é definitivamente a única luz capaz de indicar um caminho, feito necessariamente de ações concretas
Porque quando nos colocamos nesse sítio necessariamente desconfortável que é o sítio do outro, que exige de nós um esforço de reflexão, de escuta e de transformação, recusamos a indiferença e o medo que nos empurram para dentro das margens estreitas dos preconceitos e normas sociais sufocantes. Amar, portanto, é uma escolha estratégica e lúcida, assente na ideia de que compreender é um ato de coragem. A única escolha capaz de alargar as margens.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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