Opinião
O pior erro da história
Desculpem a indelicadeza, é a segunda vez que vos escrevo e ainda nem me apresentei. O meu nome é Bernardo e sinto que posso vir a ser eu a cometer o pior erro da história.
Sim, o pior erro da história. O derradeiro erro, aquele que ganharia o Nobel da Estupidez ou o Óscar para o Maior Falhanço. O pior entre os piores, o que seria unanimemente considerado a maior borrada alguma vez produzida pela espécie humana.
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Porque não eu, a produzir o pior dos erros? Porque não eu, se todos erram? Alguém tem de ser o pior, afinal de contas. Acho mesmo que posso vir a ser eu e, caso venha a confirmar-se essa possibilidade, peço antecipadamente desculpa à Humanidade. Não terá sido de propósito.
Penso qual dos meus defeitos poderia produzir tamanha calamidade, tamanha estupidez. Para ser honesto, há vários candidatos entre as falhas e vícios nesta fatalidade antropológica.
Será a minha preguiça a produzir o pior erro da história? É possível. A minha preguiça é problemática, tem quase vida própria. A minha preguiça é tão preguiçosa que às vezes tem preguiça de dizer “preguiça”. E, nesses momentos, diz somente “guiça”.
Ou não, talvez não seja a minha preguiça a responsável pelo pior erro da história. É possível que seja a minha falta de atenção a afetar irremediavelmente o mundo. Atenção à minha falta de atenção! Pode parecer um candidato frágil, mas é nas horas de maior pressão que ela traz o melhor de si. É bem possível que, a dado momento, o mundo me esteja a alertar ruidosamente para o erro que estou prestes a cometer e que a minha atenção esteja distraída a pensar no quanto gostaria de estar mais atenta.
Não posso deixar de considerar a minha arrogância. Ui, a minha arrogância é tramada… Soberba na soberba, capaz de se superiorizar aos mais dotados, de produzir as melhores criações. Ela é altiva, portentosa, sempre disposta a envergonhar as demais arrogâncias que se pavoneiam por aí. A sério, a minha arrogância está entre os favoritos. Os favoritos dela própria.
Vale a pena mencionar a minha cobardia, ainda que eu não deposite grandes esperanças nela. Para ser honesto, duvido que fosse suficientemente corajosa para almejar a autoria do pior erro da história. Encararia essa possibilidade, mas não se atiraria de cabeça à tarefa. É muito medrosa, de facto. Não lhe posso exigir grande coisa.
Será a minha gula? Ela sempre foi inofensiva, nunca me pareceu capaz de provocar o pior erro da história. Era capaz de engolir uma tábua de chocolate antes de ir para a cama ou comer pizza fria ao pequeno almoço; mas, isto? O pior erro da história? Não creio. A menos que ele, o erro, viesse barrado em Nutella e coberto de chantilly e nozes, o que é improvável.
Agora só me vem à cabeça o meu egoísmo. Pode ser ele o grande responsável pelo pior erro da história. É capaz de ser ele a provocar a falha fatal só para não ter de a partilhar com mais ninguém. Só quem não o conhece…
Quase me ia esquecendo da minha vaidade. O orgulho que lhe proporcionaria ser responsável pelo pior erro da história. Pensando bem, espero que não seja ela. Nunca mais se calaria, sempre a repisar os méritos de tal façanha.
Fazendo um exercício autoanalítico, olhando para todos os meus defeitos em pormenor, fico indeciso. Todos são capazes de grandes feitos e nenhum deve ser menosprezado. Só me resta esperar e desejar que este erro não seja meu.
É neste momento que considero a minha raiva. A ira furiosa e frustrada que me aponta a responsável por tudo isto: a minha mãe. Sim, sim, a minha mãe também comete erros. Erros estúpidos, menores, sem qualquer capacidade para sonhar com o estatuto de pior da história, mas erros. E este foi o maior deles todos: o erro de repetir, durante anos, que eu era especial.
De tempos a tempos, lá estava ela, aproveitando cada oportunidade para torturar os seus filhos com a certeza de quão especiais eram. Não se tratava do conceito de “especial” aplicado ao ensino adaptado ou associado à tecla 3 do telemóvel. Não, era o “especial” que eleva e ilumina, o adjetivo reservado aos predestinados que se afastam do mundano e atingem o Olimpo da virtude, uma espécie de Zona VIP para gente especial. E, para sua enorme fortuna – como quem ganha o Euromilhões e o Totobola na mesma semana –, a minha mãe teve não um, mas três filhos especiais.
Felizmente, os meus irmãos cedo tiveram a sensatez e inteligência suficientes para não acreditarem nela. “Sou especial o quê, mãe? Não me chateies”, gritavam insultados.
Já eu, julgo que, a dado momento, acreditei mesmo naquilo. Talvez tenha sido esse o meu erro: acreditar que era especial a ponto de protagonizar o pior erro da História.
Agora, após este desabafo, suspeito que não sou capaz de produzir tamanho erro. Para isso, seria preciso alguém mesmo muito especial.
Opinião | Bernardo Neto Parra
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