Portugal
“O melhor no trabalho de escanção é estar sempre a aprender”
A escanção Carine Patrício, que vai representar Portugal no concurso de melhor escanção de Europa e África, na próxima semana, apaixonou-se pela área depois de se formar em Letras e vê como o melhor da profissão a aprendizagem contínua.
Nascida em Leiria, em 1977, Carine Patrício cresceu perto de Paris, onde se formou em Literatura e Filosofia, para, depois de um semestre passado na Alemanha, perceber que aquilo que a encantava era a gastronomia.
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Entre risos, em conversa com a Lusa, conta essa transição: “Encontras um rapaz, és nova, estás a estudar, ele é cozinheiro, começas a ajudar ao fim de semana e começas a ver que a gastronomia é totalmente a tua coisa. Acabei na mesma os estudos para os meus pais não me matarem, ou deserdarem. Na restauração gostava muito desse contacto com o cliente”.
Em Hamburgo, onde estava, juntou as gorjetas que pôde para ir jantar ao restaurante onde trabalhava o Master Sommelier (certificado altamente exigente para os profissionais do setor que o pretendam obter, havendo menos de 300 no mundo, desde 1969, segundo a página da organização que atribui a classificação) Hendrik Thoma. Chegada lá, Patrício percebeu: “É mesmo o trabalho que eu quero”.
“Porque uma pessoa está sempre a aprender. É o que acho mais bonito no trabalho de ‘sommelier’, tu nunca ficas [no mesmo sítio]. Estás sempre a aprender. Não é só ser o melhor anfitrião”, realçou a profissional.
Ao longo da conversa com a Lusa, Patrício recordou em vários momentos a importância de trabalhar em prol do cliente, que tanto pode ser alguém que vai “todas as semanas a restaurantes [com estrelas Michelin]” como alguém que poupou um ano inteiro para numa “ocasião linda” poder fazer uma refeição naquele espaço.
“É muito importante que quando saiam estejam contentes e se esqueçam que deixaram 200, 300, 400 euros por pessoa. Tu és uma pessoa que serve. Agora, há uma mudança nos ‘sommeliers’ que me deixa um bocadinho triste. Querem ser superestrelas. Desculpem, não são superestrelas! És só alguém que está a servir, não te esqueças. Alguns pensam que são Deus. Não estás a operar pessoas a morrer, não estás a fazer uma cirurgia a coração aberto, não estás a salvar vidas. Salvas algumas vezes um jantar”, afirmou Carine Patrício, que hoje trabalha para a adega Joh Jos (JJ) Prüm, na região vinícola de Mosel, na Alemanha, e é responsável de vendas da empresa para o mercado alemão e para os mercados onde se fala francês e português.
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A ‘sommelier’ portuguesa frisou que os clientes querem passar um bom bocado e o profissional do vinho tem de saber responder às dúvidas, mas não encher os ouvidos de quem faz uma refeição com conhecimento técnico. No entanto, acredita que esta “doença” não é transversal aos profissionais do setor.
“Isto é mais um problema de homens. Uma mulher não tem essa necessidade. ‘A minha casa, o meu carro, a minha mulher’. É uma doença mais masculina, para ser sincera. A doença feminina que nós temos nesta profissão é que tens muitas mulheres que são incríveis, mas são muito mais tímidas perante o cliente”, ressalvou.
Falante de seis línguas (francês, português, inglês, alemão, italiano e castelhano), Patrício gostava de saber mais, embora consiga compreender as demais línguas latinas e até o mandarim, que estudou durante três anos, mas o tempo não permite mais.
Patrício, com 44 anos e dois filhos, tem uma consultora, com a qual prepara cartas de vinhos e faz ‘masterclasses’, e trabalha para a adega de referência JJ Prüm, mas continua a trabalhar algumas vezes por mês num restaurante, apesar de ter sido obrigada a reduzir a carga laboral.
“Tive de parar na restauração porque tive um AVC, em 2019. Senão ainda estava a trabalhar num restaurante, porque é uma coisa de que sempre gostei”, disse. No verão deste ano, para além do trabalho e numa altura em que esperava poder estudar para avançar na certificação profissional, foi ainda ajudar no vale de Ahr, depois das cheias que causaram a morte a mais de 130 pessoas.
Na próxima semana, Patrício vai participar no concurso de melhor escanção da Europa e África, sendo a primeira mulher a representar Portugal. Organizado pela Associação Internacional de Escanções (ASI, na sigla francesa), a competição realiza-se desde 1988 e nunca foi conquistada por uma mulher. O mais recente vencedor foi o letão Raimonds Tomsons, em 2017.
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