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O interior ostracizado “é ótimo para antissociais”
Na região afetada pelos incêndios de Pedrógão Grande, os jovens encontram qualidade de vida, mas falta “tudo o resto”. Até há emprego, mas em áreas que não lhes interessam, o mercado de arrendamento “não existe” e há pouca vida social.
São poucos os que ficam e ainda menos aqueles que, mesmo decidindo ficar, não pensam em seguir o mesmo caminho dos seus amigos. Rafael Almeida, que vive na vila de Figueiró dos Vinhos, o maior concelho dos três mais afetados pelos fogos de junho de 2017, apenas se lembra de um jovem do seu ano, 1994, que continua a viver por ali, como ele.
O realizador de cinema de 30 anos montou a sua produtora na vila onde nasceu depois de terminar o curso na Covilhã. Faz sobretudo vídeos institucionais e corporativos – o trabalho é tanto que já há algum tempo que adia projetos artísticos, depois de ter passado pelo “Short Film Corner” do festival de Cannes.
“É fácil empreender aqui, termos o nosso próprio negócio e conseguirmos ser bem-sucedidos em várias áreas. Mas falta tudo o resto. A parte de estar aqui e ganhar dinheiro não é o maior problema”, diz à agência Lusa Rafael Almeida.
Para o jovem cineasta, é esse “resto” – que é muita coisa – que leva a que hoje só se lembre de mais um como ele a viver em Figueiró dos Vinhos de “três ou quatro turmas” que havia no secundário.
Mercado de arrendamento inexistente, falta de ofertas de emprego qualificado ou ausência de espaços para socializar são alguns dos problemas que Rafael Almeida elenca sem grande esforço. A própria falta de jovens faz com que os que fiquem queiram sair.
“Eu estou com a minha namorada, mas se eu estivesse sozinho já não estava aqui, de certeza. Porquê? Porque estaria completamente solitário e andaria doido”.
Por isso mesmo, brinca, o território onde vive “é ótimo para antissociais”.
Se, em Figueiró dos Vinhos, Rafael diz não encontrar qualquer sítio aberto à noite para beber um copo, em Castanheira de Pera, o município do distrito de Leiria com maior índice de envelhecimento, Patrícia Martins socorre-se de um café numa aldeia que fica aberto até mais tarde para estar com os amigos à noite.
“De resto, não há mais nada”, conta a jovem de 26 anos.
Chegou a viver dois anos em Leiria, depois de acabar o curso em jornalismo e comunicação em Coimbra, mas não gostou da experiência de viver numa cidade e, tendo conseguido um emprego na sua área na empresa municipal Prazilândia, decidiu regressar.
“Sempre fui muito próxima da natureza e gosto do sentimento de comunidade que numa cidade não existe”.
Patrícia admite que é uma privilegiada, perante o contexto de Castanheira de Pera – os seus amigos mais próximos ainda vivem no concelho e conseguiu um apartamento arrendado, uma “raridade” na vila, afirma, considerando que um dos principais desafios no concelho, para além da falta de emprego qualificado, é, “sem dúvida, o acesso à habitação, que não existe”.
Cristiana Fonseca, de 29 anos, que trocou o ensino por uma carreira como agente imobiliária em Figueiró dos Vinhos, confirma.
O mercado de arrendamento também quase não existe, diz, referindo que na imobiliária que tem com mais uma sócia lembra-se apenas de dois anúncios – um T2 por 420 euros e uma moradia por 950 euros.
“Por estes valores, quem é que vem? São para estrangeiros que procuram um arrendamento de curta duração para conhecer a zona e decidir se investem”, diz Cristiana, cujo negócio também se sustenta a partir de imigrantes que têm capital para comprar casas em ruínas e reabilitar.
Apesar dos problemas na habitação, Cristiana Fonseca não trocaria Figueiró dos Vinhos por outro concelho e imagina-se a continuar por ali, próxima da família e com uma qualidade de vida que acredita que não teria numa cidade do litoral.
“Eu só preciso de três minutos para ir de casa para o trabalho”.
Mas se falta habitação, o maior problema será mesmo o tipo de emprego que a região tem para oferecer, aponta Cristiana.
Quando Vasco Gama, de 23 anos, trocou Castanheira de Pera por Lisboa para se licenciar em relações internacionais sabia que provavelmente seria uma ida sem retorno.
“Muito dificilmente, depois da licenciatura, conseguiria arranjar emprego na minha área naquela zona”, conta o jovem que trabalha agora no setor bancário na capital.
“Em Castanheira, há um grande choque de realidade entre o inverno, em que a partir das 20:00 não se vê nem vida nem carros na vila, e o verão, em que recebemos milhares de turistas na Praia das Rocas”, conta o jovem, cujos pais têm um restaurante na vila e também sentem a sazonalidade.
João Cláudio Maria, de 28 anos, não esconde a sua frustração. Depois de se formar em ciências da comunicação na UBI, tentou, por duas vezes, regressar a Castanheira de Pera, onde esteve sempre envolvido em vários projetos associados à cultura.
Trabalhou na Prazilândia, mas despediu-se no final de 2019, com a perspetiva de ir para Lisboa.
A pandemia chegou e adiou os planos. Em 2022, voltou à empresa municipal, mas foi sol de pouca dura.
“Tinha algumas poupanças e mudei-me para Lisboa”, conta à Lusa o jovem de 28 anos.
Na ótica de João Cláudio Maria, o problema “não é a falta de potencial, até porque a maior parte das coisas estão por fazer”, mas a falta de espaço para os jovens poderem mudar alguma coisa no território.
“É preciso espírito de missão e alguma resiliência”, acrescenta.
O jovem de 28 anos acredita que o poder local na região abstém-se de pensar estrategicamente o território. Fazendo uma analogia com algo que marcou a região nos últimos anos, João Cláudio Maria acredita que só se apagam fogos, “mas não se ordena o território”.
Além da falta de emprego qualificado e apartamentos para alugar, há outras questões. Patrícia não tem médico de família, Rafael precisa de ir a Coimbra para ir ao cinema (apenas Pedrógão Grande tem cinema, uma vez por semana) e todos precisam de ter carta e carro para se deslocarem no concelho.
“Aqui, um miúdo com 18 anos tem de ter logo carta e carro, que senão não se safa”, comenta Rafael.
Se Patrícia acredita que continuará em Castanheira daqui a dez anos, Rafael já não terá tantas certezas quanto ao seu futuro, tendo até já tentado sondar a possibilidade de se mudar para Leiria, mas os preços da habitação esbarraram-lhe o intento.
Por vezes, questiona-se sobre o porquê de continuar. “Se calhar eu estou talvez por um saudosismo, pelas memórias associadas, não sei”.
Mas o amor à terra pode não chegar, quando falta “tudo o resto”. “Não sei até quando vou resistir”, confessa.
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