Economia
O Beirão de quem todos gostam terá feito sorrir Salazar
O republicano Carranca Redondo comprou em 1940 uma pequena fábrica que produzia Licor Beirão, na Lousã, mas foi também inovador na publicidade, tendo chegado a “desafiar” Salazar com um cartaz irreverente que fez sorrir o ditador.
Em 1961, o industrial enxameou as estradas de Portugal com aquele que seria o mais popular dos seus cartazes, que tinha a seguinte inscrição: “O beirão de quem todos gostam.”
Um professor primário alertou o licorista para um erro aparente na frase, já que, tratando-se de uma bebida, deveria ter escrito “o beirão de que todos gostam”.
José Carranca Redondo explicou ao amigo que aquela redação tinha sido intencional.
E o próprio Oliveira Salazar, nascido no coração das Beiras, desconfiou do jogo de palavras.
Na época, um secretário do ditador, Solari Alegro, tinha ligações familiares à Lousã.
Quando este se despedia para ir passar uns dias à terra da mulher, o chefe do Governo, sorrindo, pediu a Alegro: “Pergunte lá ao seu amigo quem é o tal beirão de quem todos gostam”.
O filho de Carranca Redondo, José Redondo, confirmou o episódio à agência Lusa, adiantando que Salazar disse também ao secretário que reconhecia “alguma piada” ao fabricante do Licor Beirão.
“Exportamos hoje para mais de 40 países, incluindo Rússia”, disse. Estados Unidos, Suíça, Luxemburgo e Angola são atualmente os principais destinos do produto.
Tendo em conta o “mercado da saudade”, constituído pelas comunidades lusas no mundo, o licor da Lousã já é consumido “em mais de 80 países”, salientou José Redondo.
“Onde há um português, bebe-se Licor Beirão”, afirmou, recordando que antes do 25 de Abril quase não havia exportação.
Fernando Candeias Lopes, que trabalhou mais de 25 anos na empresa, costuma visitar familiares no Luxemburgo.
“Em todo o lado se fala do Licor Beirão, nos restaurantes e cafés”, confirmou.
No passado, os trabalhadores demoravam “uma hora a carregar um camião”, pois era “tudo caixa por caixa”.
“Agora o trabalho é mais e o pessoal também”, segundo Fernando Candeias Lopes.
Oliveira Salazar “não era muito querido” do licorista, numa época em que “havia muitos condicionamentos industriais e ele era totalmente contra isso”, disse o filho de Carranca Redondo.
“Até à década de 80, o Licor Beirão era uma bebida totalmente artesanal”, referiu.
Atualmente, a fábrica vende 3,5 milhões de garrafas por ano, liderando o mercado nacional das bebidas espirituosas, à frente de três marcas de uísque estrangeiras.
Em 2012, o consumo de Beirão em Portugal ultrapassou os 2,2 milhões de litros, segundo o Internacional Wine and Spirit Research, que divulga dados do consumo destas bebidas em 115 países.
“Estamos a crescer bastante bem ao nível da exportação”, que absorve 20% do fabrico, de acordo com José Redondo.
Na família desde 1940, o Licor Beirão tem procurado “manter a característica de empresa familiar”, privilegiando “a qualidade do produto e não o objetivo imediato do lucro”, explicou o gerente.
Antes da Revolução dos Cravos, a bebida “representava menos de 10 por cento do volume de vendas” entre diversas atividades industriais de Carranca Redondo.
“O meu pai era um homem do reviralho”, confirmou o filho. Republicano, ateu e anticlerical, ele veio a organizar o CDS na Lousã, apesar de não partilhar da sua matriz democrata-cristã.
Carranca via o CDS “como o partido de direita que melhor o poderia defender”, esclareceu o sucessor, que há 40 anos ajudou a fundar o PPD (depois PSD) no concelho.
Durante o Estado Novo, o republicano teimava em celebrar o 5 de Outubro. Da primeira vez, as autoridades não lhe permitiram o lançamento de foguetes. Mas, no ano seguinte, fazendo valer o facto de ter casado no dia 5 de Outubro, já teve direito a foguetório.
“O gosto que ele tinha de sentir que estava a chocar com o que estava instituído”, observou José Redondo.
Antes do 25 de Abril, a família Redondo contava em média 15 a 20 trabalhadores. Agora, a fábrica do licor emprega 50 pessoas, maioritariamente mulheres com menos de 40 anos.
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