Opinião

O baile continua

OPINIÃO | Angel Machado | 11 meses atrás em 03-01-2024

Para quem escreve a palavra é um instrumento poderoso, mas ela não tem o mesmo impacto para quem lê. Neste momento, no espaço confortável em que me encontro, não consigo usar uma palavra que defina o itinerário assombroso das relações humanas. Passo o meu tempo a observar a humanidade, o seu lado “marginal” e a comparar-me com ela. Fico a pensar como as pessoas se transformam, muitas vezes, em montanhas ou em terrenos baldios. 

Nem a luz do discernimento e do propósito benigno das diferenças entre raças, povos e ideias, evita as guerras, mesmo havendo um simbolismo histórico que evoca o pensamento coletivo, em tempos sombrios, e lembra a necessidade de um milagre. 

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Observo aqueles que se julgam soberanos, porque acreditam que detêm a razão, mesmo sem terem em conta a ética. De certa forma a credibilidade política fica em causa, bem como a dos gestores de instituições, onde o dinheiro e o poder são moedas de troca, e a vida humana a “transação” mais barata. 

Enquanto existirem vidas costuradas pelo avesso, restritas à página policial, esquecidas em corredores de hospitais públicos e a inocência banalizada, todos seremos reféns ou cúmplices – depende muito da pessoa que somos. É desaconselhável escrever sobre o que a revolta provoca, porque o baile continua. 

A Justiça deve ser cega? Urge defender as crianças, as mulheres, os transexuais e os jovens negros – todos pobres -, que continuam a morrer nas ruas, nas praças e em direto nas redes sociais, encurralados num mundo brutal, onde são descartáveis.

A minha pele sente coisas que não consigo denominar, não é visível ou descritível, são dores entorpecidas e outras misérias que não falam de compaixão. Os meus olhos estão cansados, embora, ainda haja um vestígio de fé no que tenho de melhor: a liberdade de pensamento. 

Revisitando a memória, lembro um excerto de uma carta do professor Richard Moneygrand (2013) endereçada ao antropólogo brasileiro Ricardo da Matta, onde ele cita a “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis (1881) : “Até hoje, os medalhões ( os políticos) continuam falando em defender o povo pobre, em combater a violência e proteger os vulneráveis (esse novo conceito para os fracos e os subordinados), mas sem apresentar nenhuma novidade porque não arriscam ter uma opinião individualizada e fazem parte de uma elite ou partido. Seguem a mediocridade geral.” Desde 1881 que o baile continua.

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OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA

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