Opinião
Nostalgia do Vergalho
Acabou… terminada mais uma edição da Queima das Fitas, podemos finalmente descansar, recuperar da ressaca da semana de folia que transforma esta pequena cidade à beira-rio plantada num festival niilista e desenfreado, inspirado nas mais idílicas memórias de Woodstock 69.
Música no parque, cerveja na mão, droga no sangue e hormonas aos saltos, numa primavera de maio que não passa despercebida nem aos espíritos mais eremitas. Dias e noites de animação ininterrupta, com a juventude ao volante e a geração adulta a aplaudir os seus despropositados peões, conivente com banhos de cerveja e duches de vinho tinto.
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Este ano foi particularmente turbulento. Ou isso ou eu estou feito o mais velho dos velhos do Restelo. Compelido a acompanhar irmãos e familiares protagonistas da festa, fui obrigado a assistir ao Cortejo, na condição de participante passivo que procura por todos os meios e acrobacias escapar aos arremessos de variadas mixórdias líquidas, de natureza duvidosa, todas elas com grande teor alcoólico.
Para agravar a minha velhice, nesses dias, tive de conviver com a nostalgia de um amigo próximo, emigrante, que, de regresso a casa, não se poupava na partilha de memórias e recordações de uma juventude (há muito) passada.
Não foi fácil para mim… tive alguma dificuldade em lidar com a euforia da Queima das Fitas. Apesar de não ter há muito cruzado a barreira dos 30, sinto-me hospedado num intervalo, de dimensão desconhecida, que divide a juventude de copos e aventuras e a maturidade de bebés e batizados, uma espécie de limbo que me obriga a conviver com a minha própria amargura pelo fim daquelas façanhas e a felicidade juvenil espelhada na cara de cada estudante.
É verdade que já não cobiço o espírito enérgico de quem se diverte como se não houvesse amanhã: “Miudagem, vai haver amanhã. Há sempre amanhã… E se se seguir a um «ontem» de excessos de cerveja e afins, o amanhã, que rapidamente se torna «hoje», vai ser duro. Cuidado com isso!”.
E mesmo com a consciência de que já não tenho pedalada para a dureza daqueles «amanhãs», encaro o entusiasmo daqueles jovens adultos com o cinismo de quem julga saber mais, de quem antecipa as suas futuras responsabilidades, olhando de cima para
baixo: “Se soubesses o que aí vem, não exibias esse sorriso palerma. Diverte-te enquanto podes”.
Porém, em simultâneo, vive em mim uma nostalgia invejosa que, gradualmente, vai silenciando o meu ascendente sobre a criançada. E, por isso, dou por mim a encarar cada estudante de baixo para cima, de pescoço esticado, a desejar ardentemente que uma qualquer máquina do tempo me devolva à década passada, se possível já trajado e de cerveja na mão, pronto para reviver aquela aventura com aquela felicidade desgovernada.
A questão é que para o ano há mais… e até que me conforme com a beleza da velhice, ou sequer da meia-idade, terei de levar com o júbilo destes miúdos, que me recordam, ano após ano, que a malta de Arquitetura — ou mesmo a de Direito, Psicologia ou Medicina — “é malta do caralho, a que tem maior vergalho”.
Preciso da paciência que, segundo ouço, só a idade traz.
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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