Opinião
Mutilados!
Estamos a refletir, sobre o andaço, o cagaço, e abençoados pela inflação e pela pandemia, assim devemos continuar a pensar onde por a cruzinha neste Domingo que chega em tempestade.
Cada louco tem a sua tara, antes fosse perdida e eu atento a esse padre colecionador de crucifixos, que um dia encontra um Cristo partido, a que faltam alguns membros.
Um diálogo com as mutilações, a peça é do José Carlos Completo, sobe à cena a 23, na Paróquia do Coração de Jesus, em Viseu, mesmo junto à estátua do Infante que nos deu novos mundos.
Hoje não os conhecemos, tacanhos como estamos, nem as mutilações nos atingem, tão pouco vergam. Teimamos em ver o que não é. Espírito saudosista, fraca memória, presos aos seus instrumentos, esquecem o essencial. Vivem nessa bolha a esvoaçar, sem rumo, mas com portagem.
Um país moderno que, todos os anos, quando o Inverno é dos rijos, e este deixou para Março o grande orgasmo, fecha estradas. Do Montemuro ao Barroso, de Bornes à Estrela, cai um nevão e ficamos engasgados, atolados, isolados.
Cá no distrito foram as estradas municipais no Norte. Como nunca foram ao Feirão, tão pouco sabem que o pão chega de carrinha e o peixe de camionete refrigerada, ficamos assim, às ordens do Comando do Tâmega e Sousa, mesmo que para cá do Douro, a fazer lembrar como os padres tinham razão, e já agora os militares, que organizaram a quadricula com base nas barreiras naturais, nos rios, até ao Zêzere é a Alta, para lá do Zêzere, a Baixa. Uma só Beira, muitas chatices.
Os tipos do mando, lá em Carnaxide somam as ocorrências devido ao mau tempo, e nós, que fomos aos Fundos Europeus atalhar o baú para adquirir limpa-neves, ficamos fechados. Não deixa de ser insano que, tendo neve e estância de ski, não se possa ir à Estrela, ou porque faltam túneis, ou porque nunca investimos em teleféricos, a partir do Alvoco. O país, o deste lado, é uma savana, pejada de bandoleiros, à espera que um Serpa Pinto nos descubra.
Temos os meios, falta a organização, a vontade e o querer. De cada vez que neva, fecham as estradas do Maciço Central da Serra da Estrela, mesmo que a Covilhã tenha dois limpa neves e do lado de Seia haja outros tantos.
Somos assim, introspetivos, sem reflexão. Vem o nevão, o turismo fecha portas e algumas localidades ficam isoladas.
País estranho, avarento, insano, sem capacidade para espalhar sal, custa dinheiro, ou para meter uma niveladora a limpar estradas.
Não é um fim, mas também não é um início, é um estranho ofício, este, o de reparar o Cristo, de o ver como ele é.
A amplitude destes dois países é medonha, E continuamos sem conseguir ir a partes que nunca tínhamos encontrado.
Somos falíveis, imprecados, e não temos outro lado. Resta a consolação desse diálogo, do padre colecionador que conversa com o Cristo mutilado, para percebermos o que nos custa o desterro. O destrato. É nisto que temos de refletir. Um país bonito e, no entanto, tão fraco.
OPINIÃO ! AMADEU ARAÚJO – JORNALISTA
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