Opinião
Mente Sã em Casa San(t)a
Um mês bastou, 30 dias no poder foram suficientes para que Luís Montenegro percebesse que a Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa era incompetente e que Pedro Mota Soares, antigo ministro da Segurança Social e dirigente do CDS, seria muitíssimo mais competente para realizar a sua função.
Um ano depois de assumir o cargo, Ana Jorge foi exonerada, acusada pelo Governo de “atuações gravemente negligentes”. A Provedora fala numa exoneração “rude” e “caluniosa” e alguns membros de outros órgãos dirigentes da Santa Casa ameaçam processar o Estado português – o mesmo Estado que já está acusado de, pelas mãos do Governo anterior, ter destratado a francesa Christine Ourmières
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Widener, ex-administradora da TAP.
Motivado por interesses particulares ou, tão simplesmente, por pura misoginia, o Estado português demonstrou, mais uma vez, uma preocupante tendência para violentar mulheres… E mulheres trabalhadoras, ainda por cima.
É que, aparentemente, para além de partilharem o (ainda raro) estatuto de chefes no feminino, tanto Christine – que nesta altura exige ao nosso Estado uma indemnização de 5,9 milhões de euros – como Ana Jorge apresentavam o perfil de líderes rigorosas, profissionais de mente sã, chegadas aos respetivos cargos para reformar as organizações que dirigiam e cortar-lhes as mal-afamadas e costumeiras gorduras.
E Ana Jorge até levara a dieta a sério: surpreendida com os (quase) 500 chefes que engordavam a organização, começou a sangria mal se sentou à secretária. Àquela meia tonelada, conseguiu cortar 40 “quilos”, que é como quem diz 40 chefias que não eram precisas para nada, fazendo, assim, um corte que permitiu uma poupança anual de um milhão de euros.
Segundo a comunicação social, o ano de trabalho de Ana Jorge foi dedicado a contrariar a estratégia errática do seu antecessor, Edmundo Martinho, que investira dezenas de milhões de euros em apostas hípicas — quem nunca perdeu a cabeça com apostas em corridas de cavalos que lhe atire a primeira pedra! — e na “internacionalização dos jogos sociais”, onde se inclui a popular (e lucrativa) raspadinha.
Não lhe terá corrido bem, pelo menos a parte de internacionalizar. A estratégia de viciar brasileiros em cartões premiados parecia muito promissora, mas revelou-se financeiramente ruinosa para a Santa Casa. No final de contas, Edmundo Martinho não conseguiu internacionalizar este maravilhoso modelo português de economia circular em que a mesma mão que vende jogos sociais aos pobres, encaminha os junkies da raspadinha para serviços de apoio e reabilitação.
Medianamente esclarecido sobre a (curta) obra de Ana Jorge à frente dos destinos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas bastante desconfiado das motivações for the boys que levaram ao seu afastamento, procurei saber mais sobre aquela irmandade.
Com mais de cinco séculos de existência, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa assenta a sua missão “na realização da melhoria do bem-estar dos cidadãos, no geral, mas principalmente dos mais desprotegidos”. Portanto: ajudar todos, no geral, e os pobres, em particular. E que melhor forma de ajudar os pobres do que promovê-los a chefe!?
“Desenvolvemos um trabalho profundo e exaustivo em várias áreas”, garante o site da Santa Casa, numa escrita dorida e ofegante, própria de quem trabalha arduamente, sem descanso, até à exaustão.
Quem quiser confirmar esta realidade, pode dar um passeio pelas ruas de Lisboa, ao final da tarde. Isto, se tiver estômago para aguentar tamanho quadro de exaustão, em que os milhares de funcionários da Santa Casa da Misericórdia, regressam às suas casas, derrotados, cambaleantes, de ombros caídos e cabelos carregados de suor, com o ar exaurido de quem passou o dia a realizar trabalhos forçados.
Não faz sentido. Trabalho profundo, ainda vai que não vai… agora, trabalho exaustivo!? Para quê? Para quê trabalhar até à exaustão? Exaustão no trabalho é coisa típica dos tempos da Revolução Industrial, própria de Campos de Concentração. Não é coisa para qualquer Casa, muito menos para uma Casa Santa.
Afinal, talvez Montenegro tenha querido acabar com aquela esgotante política laboral… e, assim, já percebo melhor a rudeza do tratamento à Provedora que exonerou: “Trabalho exaustivo, Ana Jorge!? Isto não é a Santa Casa!”
Vendo bem, a decisão do Primeiro-Ministro pode não ter decorrido de qualquer misoginia ou distribuição de jobs para os seus rapazes, como cheguei a ponderar. Talvez tenha sido, até, um ato de cortesia e cavalheirismo: “Se o trabalho é profundo e exaustivo, que se sacrifique um dos nossos, de preferência um abnegado conservador! Nunca uma senhora! Pedro Mota Soares, é a tua vez!”
E, em boa verdade, a Christine também fora substituída por um homem; outro abnegado, com certeza. E, dessa feita, por ordem de um socialista.
Ideologias à parte, Costa e Montenegro, não passam, afinal, de dois orgulhosos cavalheiros. E quem melhor para gerir uma Santa Casa senão os cavalheiros?!
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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