Educação
Meio milhar de professores abraçam “desafio” de ensinar nas prisões
Quase meio milhar de professores dão aulas em cadeias. Surpreendidos com a colocação num estabelecimento prisional, para onde são “lançados às feras”, acabam por se entusiasmar com um ensino que se revela “desafiante e motivador”.
Emerência Teixeira estava familiarizada com os concursos nacionais de professores quando, em 2020, foi apanhada de surpresa pelo resultado da sua candidatura: Colocada na Escola Secundária de Paços de Ferreira, tinha uma turma de 7.º e outra de 12.º ano, mas também iria dar aulas em dois estabelecimentos prisionais (EP).
“Nunca pensei que pudesse ficar num EP através de um concurso normal de professores”, admitiu a professora de Biologia e Geologia. A secundária de Paços de Ferreira é apenas uma das mais de cem escolas associadas às 48 cadeias onde os reclusos podem voltar a estudar.
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A história de Emerência é semelhante à dos quase 500 professores que anualmente ensinam em prisões, assegurou o presidente da Associação Portuguesa de Educação nas Prisões (APEnP), José Alberto Pinto, em entrevista à Lusa.
“Acontece praticamente com todos. Um dia chegam à escola e dizem-lhe: ‘Agora vais dar aulas num EP’. Este é apenas mais um caso em que são lançados às feras”, contou José Alberto Pinto, que há duas décadas começou a ensinar na prisão de Bragança.
Mas as “feras” não são os reclusos. As “feras” é a falta de preparação para lecionar em ambiente prisional, esclareceu. Emerência, por exemplo, sabia apenas que iria dar uma formação em saúde.
O seu horário ditava que, duas vezes por semana, dava aulas de manhã na secundária e, depois do almoço, seguia ora para a prisão de Paços de Ferreira ora para a de Vale de Sousa.
“Tinha um catálogo nacional de qualificações e dali era eu que escolhia o que iria lecionar. Não ia minimamente preparada, mas contei com alunos muito interessados”, recordou.
Confrontados com a ideia de dar aulas a reclusos, os professores imaginam que vão estar fechados com “pessoas diabólicas que lhes vão fazer mal”, disse José Alberto Pinto.
Nas salas de aula, “existe um pouco de tudo”, desde os habituais traficantes de droga, a “violadores, pedófilos, assaltantes, homicidas,…”. Mas nas prisões também há “muito respeito pelos professores”, afiançou o presidente da APEnP.
A ideia é corroborada por todos os docentes com quem a Lusa falou. Carlos Fernandes, Paulo Serra, Sandra Mesquita e Emerência Teixeira garantem nunca terem sido maltratados. Muito pelo contrário.
No entanto, antes do primeiro contacto com a turma, há sempre receios. A Emerência, foi o diretor da escola quem a descansou: “Disse-me que tinha lá colegas há mais de uma década, alguns há 20 anos, e nenhum queria deixar o EP”, recordou.
Na prisão de Castelo Branco existem histórias semelhantes. O atual coordenador do ensino daquela cadeia, Carlos Fernandes, é um desses casos. Trabalha ali há três décadas. Chegou em 1995 confiante de que só ficaria dois anos, mas já não se imagina a trabalhar noutro sítio.
“Dar aulas na prisão é desafiante e motivador. É completamente diferente do que se passa no ensino regular”, contou à Lusa, explicando que ali partilham-se histórias de vida difíceis, mas também pequenas vitórias.
Sem dados oficiais, José Alberto Pinto acredita que “99,9% dos professores estão num EP porque gostam”. A sua experiência começou na prisão de Bragança, seguiu-se a de Izeda e depois Chaves: “Primeiro estranhei, mas depois adorei”.
No entanto, hoje há menos docentes em prisões, segundo as contas da APEnP. No ano passado, eram cerca de 470, “mas em 2019, por exemplo, eram 529”, contou o presidente, explicando que a falta de professores também se reflete nas cadeias, porque “primeiro são atribuídos horários nas escolas”.
Emerência Teixeira deu aulas em prisões apenas dois anos letivos e gostava de repetir. “Era contratada entre 1 setembro a 31 de julho e não havia possibilidade de haver recondução. Se houvesse, acho que teria pedido, porque sentimos que estamos a contribuir para que algo de melhor aconteça nas vidas destas pessoas e saímos com a sensação de deixar muita coisa por fazer”.
José Alberto Pinto acrescenta, a este relato, depoimentos daqueles que se sentam do outro lado da sala e veem os professores como os “corajosos que aceitam ali trabalhar”.
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