Opinião
LÚCIA SANTOS: Os desafios da liberdade de escolha da escola
Desde que a Constituição da República Portuguesa consagrou, no capítulo dos direitos e deveres culturais, que todos têm direito à educação e à cultura que o Estado se vê na obrigação de garantir a todos os cidadãos a promoção da sua democratização através da criação de uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
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Sempre que esta rede não conseguia satisfazer esta necessidade o Estado celebrava contratos com escolas particulares que, integrando-se nos objectivos do sistema educativo, ai se localizassem, bem como com estabelecimentos de ensino em que, para além dos planos oficiais de ensino aos vários níveis, se ministrassem outras matérias no quadro de experiências pedagógicas e com escolas que se propusessem à criação de cursos com planos próprios.
Além destes dois tipos de oferta educativa sempre existiu uma rede de escolas particulares independentes do Estado, dependendo a sua frequência apenas da opção educativa e da capacidade financeira das famílias.
Mas se até aqui esta foi a lógica inerente à organização do modo de funcionamento do sistema educativo português, hoje em dia o nosso país assiste a uma mudança na ideologia subjacente ao entendimento do serviço público de educação, com a introdução do conceito de liberdade de escolha da escola.
Apesar da actualidade da matéria na sociedade portuguesa, a reflexão caracteriza-se por alguma pobreza conceptual, sendo dominada por duas posições antagónicas, os que são inteiramente a favor da liberdade de escolha da escola e são apologistas da criação de um mercado educativo e os que são radicalmente contra e defendem a escola pública.
Para o primeiro grupo a liberdade é um valor incontestável da sociedade, a escolha da escola é um direito das famílias e o Estado deve financiar essa possibilidade e não condicioná-la à rede de escolas públicas, a dependência da administração central é inoperante, a gestão privada é financeiramente mais eficaz que a pública e por isso o Estado poupa com o aumento deste modelo de gestão e a concorrência leva à selecção das melhores escolas e à eliminação das piores, o que promove a inovação e, consequentemente, a melhoria do desempenho escolar dos alunos.
Para o segundo grupo a liberdade não regulada agrava os fenómenos de desigualdade e de segregação social e traduz apenas os interesses de sectores muito específicos da sociedade, a educação é uma obrigação constitucional do Estado que deve ser garantida através de uma rede de escolas públicas e por isso qualquer apoio às famílias deve ser feito de forma diferenciada, a autonomia escolar divide a escola entre a necessidade de garantir a qualidade das aprendizagens e a captação de alunos, a gestão privada é tão mais financeiramente eficaz quanto mais reduz os gastos com os recursos humanos e a concorrência não impede que existam escolas melhores e piores, nem garante a melhoria dos resultados escolares dos alunos.
Fica assim evidente que a liberdade de escolha da escola é uma matéria complexa que apesar de numa análise superficial parecer de interesse evidente, numa análise mais profunda se desvanece num emaranhado de prós e contras, pelo que é necessário trazer a esta discussão algum esclarecimento.
LÚCIA SANTOS
Presidente da Juventude Popular de Coimbra
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