Coimbra
Livro “Portugal Eléctrico” traça a história recente de Portugal através do rock
O lançamento do livro “Portugal Eléctrico”, que conta pela primeira vez a história da “contracultura rock” em Portugal, desde 1955, pretende juntar centenas de músicos da “época”, no próximo sábado, em Lisboa.
“Portugal Eléctrico – Contracultura Rock 1955-1982”, de Edgar Raposo e Luís Futre, além de bandas, imagens de discos e de concertos, relatos inéditos e esquecidos, menciona grupos de ex-colónias, traçando, através da “música rebelde”, a história recente de Portugal.
“Isto não é apenas um livro sobre ‘rock’n’roll’. É uma forma de expressão e de se mostrar que é preciso fazer alguma coisa hoje – e não só no campo da música – mas também em tudo o que se passa aqui, neste país”, disse à Lusa Edgar Raposo, 40 anos, acrescentando que o lançamento do livro, no Fontória, em Lisboa, vai contar com algumas bandas “da época”, como Vítor Gomes (Gatos Negros) e os Steamer’s.
“Esperamos reunir uma centena de músicos da época que vêm do Porto, Viseu, Coimbra, Algarve”, para a sala da praça da Alegria, no sábado, a partir das 15:00.
O livro, em forma de álbum, conta com uma edição limitada com um disco de vinil, temas inéditos dos Tubarões e dos Dardos, e não esquece a influência inicial dos filmes norte-americanos, como arranque da rebeldia de jovens portugueses.
“Já havia putos que tinham James Dean como referência”, diz Luís Futre, 45 anos, referindo-se aos filmes “Rebelde sem causa”, de Nicholas Ray, e “Sementes de Violência”, de Richard Brooks, que tinha música de Bill Haley & his Comets.
“Estamos a falar da década de 1950, que são ‘anos de chumbo’, uma década de escuridão em Portugal. Na década de 1940, por causa da guerra [1939-45], a rádio americana estabelece-se no nosso país. A base das Lages é cedida inicialmente aos ingleses e depois aos Estados Unidos e até há bandas de ‘swing’ portuguesas, como as irmãs Meireles, que parecem americanas. Depois há um período de escuridão com a tentativa de ‘folclorização’ da música portuguesa”, explica Luís Futre.
É neste contexto que surgem as primeiras bandas e um fenómeno que, no início, foi bem visto, até pelo Movimento Nacional Feminino, que o apadrinhou e que só começou a mudar, diz Luís Futre, quando começaram a chegar os primeiros estropiados da Guerra Colonial, iniciada em 1961. “A juventude começa a ter uma consciência diferente”.
“A partir de 1965, as bandas perdem a inocência. Há letras que focam a existência de bairros de lata. Há a Filarmónica Fraude com ‘Animais de Estimação’, o Quarteto 1111 e os Steamer’s. Há letras sobre a guerra do Ultramar como a dos Ekos, com ‘Habitat 736’, uma canção que fala de um sítio onde há lama e está sempre a chover mas onde um dia o sol virá. O refrão é tão simples como: ‘onde tudo é errado eu sou um ser desprezado’“, conta Luís Futre.
A consciência política só aparece na segunda metade da década de sessenta quando “os conjuntos só duravam um ano, porque um músico ia para o serviço militar e ficava na guerra e depois regressava, sem um braço, sem uma perna”, explicam os autores.
“Há uma música dos ‘Steamer’s’ que começa com o barulho de umas obras e depois surgem duas vozes. Uma delas pergunta: ‘De onde é que vens?’ ‘Venho da minha terrinha’, responde a outra. ‘E como é que passas? Passo muita fominha. Onde é que vives? Vivo numa barraquinha. E onde é que fica a barraquinha? Fica no bairro da latinha’. Depois há uma voz distorcida que diz: ‘Seus cabrões’. Isto é de 1968, mas o disco saiu em 1970 e foi partido na Rádio Renascença, num programa em que se partiam discos em direto”, relata Futre.
O livro “Portugal Eléctrico” também inclui o percurso de bandas em Angola, como os Windies, Gémeos VI e a Heavy Band, os Inflexos, de Moçambique, e The Thunders, de Macau, entre outros.
“Aquilo de que pessoalmente gostamos mais é da segunda metade dos anos 60, quando as coisas são mais interventivas, há uma consciência política e social das bandas e o som se torna mais rico. Há influência dos Estados Unidos, do psicadelismo, das drogas, porque as bandas começam a experimentar coisas novas como o LSD e a marijuana, e existe uma consciencialização da juventude em relação ao estado social do país, que é muito importante”, sublinha Luís Futre.
O livro termina no início dos anos oitenta, com o movimento Punk em Portugal.
“A juventude pode ser alegre sem ser irreverente”, lia-se num cartaz que alertava para a expulsão de quem causasse distúrbios, no concerto dos Neptunos no Montijo, em 1965.
“Talvez Portugal tenha estado sempre atrasado 30 anos, e talvez ainda esteja (…) e talvez os entraves e dificuldades que se põem aos artistas hoje em dia, sejam um pouco menores do que há trinta anos ou, pelo menos, diferentes. Mas sempre houve e sempre haverá, esperemos, quem reme contra a maré. Quem acredite num punhado de nada, quem ponha a arte em frente do negócio”, escreve Paulo Furtado (Legendary Tiger Man), na introdução do livro.
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