Há pouco mais de uma semana eu intitulava essa crónica de “Melancolia”, um dia sem inspiração pode mudar o norte de quem está perdido. Com o receio de esquecer quem sou e, porque estou aqui, escrevo essas linhas para sucumbir ao meu desejo de ser incompreendida por escrever num livro de reclamações.
A falta de lucidez, às vezes, engole a seco todo o bom comportamento. Não havia água quente no quarto e, por um momento, achei aquilo uma afronta. Essa pele adulta que habita a emoção, sem um banho decente, pensei que faria de mim uma moribunda no dia seguinte e sem razão para demonstrar os meus bons modos.
Eu não sei se estava preocupada com o banho ou com o perfume do meu corpo. A vergonha é um veneno para quem vive de habilidades satíricas. Mesmo assim, ciente dos meus direitos, cheguei à receção e pedi o livro de reclamações. Fui direta, egoísta e não dei tempo ao contraditório. Seria a primeira pessoa a usá-lo em pouco mais de cinco anos. Hesitei, olhei para os lados, respirei fundo e perguntei: o que há de errado com a água desse hotel?
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– Nada. Proporcionamos banhos frios aos hóspedes para eles terem um choque de realidade.
Choque de realidade?
– Sim.
As pessoas que se hospedam aqui sabem disso?
– Não.
E por que até hoje não há reclamações? A resposta foi um sorriso. Aprendi num lapso de tempo que não há nada de extraordinário em ter razão. Aliviada, pensei que o mundo ainda é habitável, principalmente, porque há pessoas que compreendem o significado do sorriso.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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