Coimbra

José Manuel Silva: A irreverência é (d)ele

OPINIÃO | Rui Avelar | 1 mês atrás em 26-07-2024

José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), é apreciador da irreverência… se for ele a protagonizá-la.

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O autarca e ex-bastonário da Ordem dos Médicos tem sobre o papel dos jornalistas um alcance que consiste em desejar que confiram primazia à versão dele em relação às dos outros cidadãos.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acaba de ser chamada a intervir com base em eventual cumprimento deficiente do direito de resposta por parte do semanário “Campeão”.

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A ERC deu provimento a um recurso de José Manuel Silva na medida em que, segundo ela, uma “anotação da direcção editorial do Jornal a um texto de reposta” da autoria do autarca “não foi feita dentro dos limites admitidos pela Lei de Imprensa”.

Num direito de resposta – e não de rectificação –, em que Silva acusa o “Campeão” de mentir ao veicular uma versão de Bruno Paixão, o autarca remete para “algumas semelhanças” com um episódio em que Notícias de Coimbra (NDC) foi interveniente.

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Diz ele que NDC “não acautelou cabalmente o dever de rigor informativo” e “violou o direito ao bom nome e reputação” ao publicar uma peça jornalística intitulada “Câmara de Coimbra quer comprar por sete o que há meses foi vendido por um”.

Ao invocar falta do exercício do contraditório, José Manuel alega que um excerto da notícia (“negócio que, por mera coincidência, envolve gente de Pombal”) consiste num registo jocoso, assente na circunstância de o autarca ser natural daquela cidade do distrito de Leiria.

No exercício do direito de resposta face ao “Campeão” – que noticiou a exclusão de Ana Abrunhosa, potencial candidata do PS à presidência da CMC, de um painel de oradores para um evento a organizar pela autarquia –, Silva alude à advertência feita pela ERC a NDC.

“Não espera para a semana um pedido de desculpas a Notícias de Coimbra (…), por ter sido chamado a este assunto sem nada ter a ver com ele”, escreveu a direcção editorial do “Campeão”, motivo por que a ERC entende sujeitar o Jornal a eventual procedimento contraordenacional.

O panorama da liberdade de expressão em Coimbra já conheceu melhores dias.

NDC está, hoje em dia, sem a receita publicitária inerente à divulgação das deliberações camarárias e todo o tipo de publicidade do município, que continua a ser feita noutros jornais do concelho, e o corte ocorreu volvido algum tempo sobre a publicação de um artigo intitulado “Guru dos avatares” sai de cena, sendo que tal personagem saiu da campanha eleitoral para entrar na muito questionada Casa da Língua.

São frequentes as situações em que José Manuel Silva reclama dos jornalistas um desempenho que vá para além da divulgação de duas (ou mais) versões e é igualmente frequente a queixa de inexistência do exercício do contraditório.

Para António Marinho e Pinto, antigo jornalista e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, o exercício do contraditório não pode ser invocado como se no registo jornalístico ele fosse equivalente ao papel que tem no trabalho dos tribunais.

Segundo o jurista, a tentativa de colonizar o jornalismo com práticas próprias dos sistemas judiciário e judicial visa fazer disso um empecilho à liberdade de expressão.

Por falar em liberdade de expressão: José Augusto Gomes, caricaturista, cujo nome se confunde com oc“Movimento de Humor”, foi entusiasta da eleição, em 2021, do actual líder da CMC e nem por isso deixou de ser alvo de uma participação do autarca ao Ministério Público (MP) por alegada difamação.

Ao arquivamento da queixa-crime poderá não ter sido alheio um prefácio da autoria de José Manuel Silva, publicado num opúsculo intitulado “Sem filtro nem medo”.

O então vereador desejou a José Augusto “felicidade e êxito”, assentes na continuidade “como (…) artista independente sem filtro nem medo”.

Para Silva, Gomes era “um exemplo, numa cidade e num país que tanto carecem de mais cidadania”.

Uma magistrada do MP concluiu que o posicionamento do queixoso face a José Augusto foi um quando o autarca era vereador, e beneficiário da sátira do cartoonista, e passou a ser outro na fase de presidente camarário.

É caso para dizer que “bem prega frei Tomaz”, pois, há dias, José Manuel Silva interrompeu a vereadora Regina Bento (PS) até à exaustão e, como se não fosse ela a autora das intervenções, desafiou-a a revelar… o autor. “Mude de redactor”, recomendou o autarca, conhecedor, como médico, de que “as obsessões prejudicam a saúde mental”.

Em 2021, José Manuel visou Manuel Machado (PS), quanto a um processo urbanístico, dizendo que “a multiplicação brutal da dimensão” do empreendimento só era explicável por “corrupção activa” (supostamente da autoria de um presumível agente interessado).

Sobre o inquérito, de que Machado veio a desistir enquanto queixoso, Silva disse não ter afirmado que havia corrupção activa, na medida em que não possuía prova disso, e acrescentou: “só consigo explicar tal situação por corrupção activa (…); trata-se de uma opinião a que tenho direito”.

OPINIÃO | RUI AVELAR – JORNALISTA

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