O presidente das Comemorações do Dia de Portugal em 2019, o jornalista João Miguel Tavares, advertiu hoje que a falta de esperança e as desigualdades de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados.
João Miguel Tavares deixou esta mensagem no discurso que proferiu na cerimónia do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em Portalegre, numa intervenção que antecedeu a do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em que falou dos progressos registados pela democracia portuguesa, mas também, em paralelo, dos perigos resultantes de fenómenos como a corrupção, que minam o ideal de “meritocracia” e instalam o sentimento de que “o jogo está viciado”.
“A integração na Europa do euro não correu como queríamos, construímos autoestradas onde não passam carros, traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram, afundámo-nos em dívida e ficámos a um passo da bancarrota. Três vezes – três vezes já – tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia. É demasiado”, declarou.
João Miguel Tavares referiu-se aos casos em torno do sistema financeiro “num país amnésico, cheio de gente que não sabe de nada, que não viu nada, que não ouviu nada”.
“Percebemos que a corrupção é um problema real, grave, disseminado, que a justiça é lenta a responder-lhe e que a classe política não se tem empenhado o suficiente a enfrentá-la. A corrupção não é apenas um assalto ao dinheiro que é de todos nós – é colocar cada jovem de Portalegre, de Viseu, de Bragança, mais longe do seu sonho”, disse.
Antes destas críticas ao atual estado do país, o jornalista frisou que é natural de Portalegre, uma cidade do interior que, na década de 80, “estava a quatro horas de distância de Lisboa” por carro, salientado então que a sua geração, assim como a dos seus pais, beneficiaram muito com o Portugal democrático.
No presente, porém, segundo João Miguel Tavares, a perspetiva do país é outra e “o sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje vai-se desvanecendo, porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se de que o jogo está viciado, que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida, que o mérito não chega, que é preciso conhecer as pessoas certas, que é preciso ter os amigos certos e que é preciso nascer na família certa”.
“No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa”, declarou o jornalista, que ainda foi mais longe nos seus avisos.
“A falta de esperança e a desigualdade de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados, incapazes de acreditar num país meritocrático. Esta perda de esperança aparece depois travestida de lucidez e rapidamente se transforma numa forma de cinismo. Achamos que temos de ser pessimistas para sermos lúcidos, que temos de ser desesperançados para sermos realistas, que temos de ser eternamente desconfiados para não sermos comidos por parvos”, acentuou.
João Miguel Tavares criticou ainda a crescente distância entre as chamadas “autoridades”, onde se incluem os políticos, e a generalidade dos cidadãos, dizendo que entre esses dois universos “há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio”.
Aos políticos, de acordo com João Miguel Tavares, compete-lhes propor “um caminho inteligível e justo”.
“Os portugueses podem não ser os melhores do mundo, mas são, com certeza, capazes de coisas extraordinárias, desde que sintam que estão a fazê-las por um bem maior. A política não falha apenas quando conduz o país à bancarrota. A política falha quando deixa o país sem rumo e permite que se quebre a aliança entre o indivíduo e o cidadão”, insistiu o presidente das comemorações desta edição do Dia de Portugal.
Em mais um recado dirigido ao conjunto dos políticos, João Miguel Tavares defendeu que “aquilo que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a firmeza do seu caráter e a força dos seus princípios”.
“Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos deem alguma coisa em que acreditar, que alimentem um sentimento comum de pertença, que ofereçam um objetivo claro à comunidade que lideram”, sustentou.
Na parte final da sua intervenção, o jornalista citou uma das ideias mais vezes repetida pelo chefe de Estado: “O senhor Presidente da República costuma dizer com frequência que os portugueses, quando querem, são os melhores do mundo”.
“O senhor Presidente da República que me perdoe o atrevimento: não há qualquer razão para os portugueses serem melhores do que os finlandeses, os nepaleses ou os quenianos, mas tenho uma boa notícia para dar: também não precisamos de ser melhores. Para quem ainda acredita numa ideia de comunidade, os portugueses são aqueles que estão ao nosso lado. E isso conta. E conta muito”, acrescentou.