Opinião

Já não se fazem revolucionários como antigamente 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 4 meses atrás em 10-08-2024

Confirma-se: a season já está a ficar silly… 

Se não está silly, como poderemos explicar a recente aparição de Carles  Puigdemont, o antigo presidente do governo regional da  Catalunha que voltou com estrondo aos radares da política internacional e pôs  milhares de policias espanhóis a suar em bica, numa busca desesperada, sob o  calor de agosto?! 

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Esta semana, com um mandado de detenção ativo – há sete anos! – por alegado  peculato, na sequência do atabalhoado referendo e da anticlimática declaração  de independência de 2017, o político catalão, que antes havia fugido dentro  da mala de um carro em direção a Bruxelas, voltou a casa para protagonizar  um discurso acalorado que ressuscitou a chama dos espíritos separatistas. 

Regressado do exílio autoimposto – um retiro por terras belgas bem mais  agradável do que o destino que a Justiça espanhola lhe pretende impor  – Puigdemont decidiu participar na sessão plenária de investidura de Salvador  Illa, membro do Partido dos Socialistas da Catalunha, como presidente da  sua Generalitat

Espalhada a mensagem à sua horda independentista, expressa num discurso de  oito minutos, Carles desceu apressadamente do palanque e, após uns abraços  rápidos, voltou a desaparecer. Escondido, de novo encolhido numa viatura  ligeira, e conduzido por um agente da polícia local, o pretenso herói escapuliuse por entre os dedos das autoridades espanholas, humilhadas a uma escala  que só encontra paralelo no logro ficcional orquestrado pelo  famoso Professor Sérgio Marquina

À hora a que escrevo este texto, o paradeiro do homem mais procurado de  Espanha ainda é desconhecido e, descontando o calor abrasador ao qual terá  sido sujeito durante a sua fuga, o político espanhol – ou catalão, como ele preferir  – estará livre (pelo menos por enquanto) daqueles edifícios desagradáveis com  muros altos, cobertos de arame farpado, e com rígidos horários de visita, já  pronto a encabeçar outras arriscadas manobras em prol do seu, tão prezado,  separatismo.

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E eu confesso: já tinha saudades de Puigdemont, o mártir mais choninhas da  história dos independentismos, o silly dos sillies que tornam a season muito  mais interessante para quem, por esta altura, não se encontre  distraído com férias solarengas e mergulhos no Atlântico. 

Apresentado como “o rosto do independentismo catalão”, Carles continua o  mesmo, dando quase nada por tudo aquilo em que acredita, oferecendo todo o  seu corpo à causa revolucionária a que se dedica há décadas. Sim,  porque Carles não só oferece o rosto, como ainda teima em disponibilizar as  costas, a nuca e o traseiro, enquanto foge em marcha acelerada, não vá alguém  ter a brilhante ideia de o atirar para uma cela e fazer dele um herói – Isso é que  não! 

Para que não seja mal interpretado, realço que não regozijo com a ideia de  encarcerar dissidentes ou contestatários – independentemente da justiça  das suas causas. Admito, porém, que nunca apreciei a tendência divisiva na  Catalunha, admirada e invejada por tanta e tão boa gente, que, mesmo à  distância, em território português, aplaudiu fervorosamente aquele simulacro de  Grito do Ipiranga. 

Hoje, à distância da “revolução” de 2017, talvez possamos ser mais consensuais  sobre a génese do seu impulso revolucionário, assente em motivações mais  atentas aos índices do PIB regional do que aos princípios fundadores da mãe  das revoluções liberais: Liberté, Égalité, Fraternité. 

Hoje, talvez já possamos concordar que a Catalunha não vive num regime de  opressão social, cultural ou económica, que a região não se encontra subjugada  à arbitrariedade nem à violência do Estado Central. Pelo contrário… a brandura  do “opressor” é tal que até permite aparições públicas (pré-anunciadas) de  foragidos de fato e gravata. 

Hoje, talvez possamos, juntos, em uníssono, criticar a qualidade daqueles  protagonistas da insubordinação. Talvez possamos lamentar os revolucionários  choninhas do nosso tempo e clamar pelo regresso dos revolucionários do  antigamente, rebeldes empedernidos, poucos, mas inquebráveis, na esperança  de que – esses, sim – se insurjam contra os regimes  opressores. Primeiramente, se possível, contra ditaduras como as de Caracas  ou de Moscovo. As labutas de Barcelona podem ficar para mais tarde…

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