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Já lemos a nova aventura de Astérix e temos uma opinião
Chegou ao mercado mais uma aventura do pequeno guerreiro gaulês, Astérix, e do seu amigo Obélix. Este tem o título original “L’Iris Blanc” – O Íris Branco – e pretende criticar as escolas de pensamento positivistas com um personagem inspirado no escritor brasileiro, Paulo Coelho. Já a lemos e aqui fica a nossa apreciação.
Os textos já não são de Goscinny nem os desenhos têm a marca de Uderzo. O argumentista original faleceu em 1977 e o desenhador deixou-nos no início de 2020, mas as aventuras de Astérix nunca pararam, ao contrário de, por exemplo, as aventuras de Tintin, por Hergé, desaparecido em 1983, e que até hoje nunca mais tiveram continuação.
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Cada nova aventura de Astérix beneficia do sucesso da dupla original – que produziu, entre 1959 e 1979, um total de 24 aventuras do pequeno guerreiro gaulês irredutível que tem como companhia o forte e fiel Obélix. E este novo álbum – com o número 40 na lombada – não escapa a esse sucesso garantido à partida, prometendo vender bem. Mas o que dizer da qualidade destes novos álbuns quando comparados com o original e estaremos realmente a ler “as aventuras de Astérix”?
Há fãs divididos entre aqueles que consideram que a série há muito que devia ter terminado – sobretudo após a morte do argumentista, René Goscinny, tido como a “alma” por detrás da genialidade dos enredos e “gags” que ficaram na memória de milhares de leitores -, como depois há quem ache que a vida das personagens deve prosseguir, na mão de competentes executantes secundários das ideias originais e adaptadas aos tempos modernos.
(Declaração de intenções do autor destas linhas: o autor encontra-se entre aqueles que acham que Astérix nunca mais foi o mesmo desde a morte de Goscinny e, mesmo quando Uderzo as retomou a solo, antes de passar a execução para novos autores – como é o caso deste novo álbum – preferiu não acompanhar mais essas novas aventuras. Contudo, decidiu adquirir este último álbum, na sua edição original em francês, para uma análise jornalística de modo a dar uma oportunidade de regresso à leitura. Segue-se nas próximas linhas a devida apreciação).
A trama desta nova aventura, com argumento de Fabcaro e desenhos de Didier Conrad, constrói uma crítica social sobre as novas escolas de pensamentos positivo. Vemos que a aldeia de Astérix ficará subjugada à influência de uma personagem romana que surge com palavras inspiradoras, reduzindo os habitantes a uma apatia positivista.
De acordo com o responsável do argumento, por detrás da inspiração que levou à criação deste personagem está o escritor brasileiro Paulo Coelho, autor de frases inspirativas que, aliás, serão ditas do início ao fim da aventura. Até aí, podemos dizer que a história apresenta o seu interesse e deve ser tida em consideração.
Os desenhos de Conrad são de uma competência inatacável e o argumento de Fabcaro segue uma linha narrativa que permite manter a atenção na leitura e no desenrolar da história. E, como nas histórias de Astérix, há romanos, javalis, a aldeia e os seus personagens mais conhecidos – como o peixeiro, o ferreiro, o bardo e o ancião. Há ainda o druida, o chefe, a mulher deste e Júlio César. Não falta ninguém. É uma obra competente, mas poderá não passar apenas disso.
Infelizmente, falta a plasticidade de uma história de altos e baixos, fluída e interligada do início ao banquete final, em vez de algo que parece ter vários começos e um fim metido à pressa porque é no local onde a aventura é suposta de terminar. Percebe-se bem que não é fácil imitar, reproduzir ou tentar plasmar a versatilidade e alegria humorística de Goscinny. Falta depois ao desenho um aligeirar de expressões que, na pena de Uderzo, surgiam de forma natural, mas que agora parecem ter o cuidado de não quererem falhar ao espírito inicial e, como consequência dessa precaução, acabam por apresentar um resultado algo exagerado no caracterizar das personalidades.
Se nas aventuras originais, as que foram feitas entre 1959 e 1979, havia a intenção de inovar mantendo a personalidade original dos intervenientes, mas sempre dispostos a arriscar em novas experiências de construção de personagens, assistimos agora a uma necessidade excessiva de ir buscar referências – umas assumidas e outras veladas – a essas histórias anteriores, como que para justificar perante os leitores a compra de um novo álbum.
Assim, ao lermos esta aventura do íris branco, somos levados a recordar obras originais e marcantes na memória, como “O Adivinho”, “A Zaragata”, “O Escudo de Arverne”, “Astérix e o Caldeirão”, “Os Louros de César” e “O Domínio dos Deuses”. São demasiadas piscadelas de olho a histórias anteriores para que se consiga considerar esta nova aventura como um Astérix original.
Ficará sempre a dúvida se não seria melhor a arte dos novos autores ser usada numa aventura de um personagem com outro nome que não Astérix, podendo esta ocorrer até no mesmíssimo ambiente, mas sem a referência autoral, legal – e também em forma de homenagem -, aos nomes de Goscinny e Uderzo na capa dos álbuns. É que essa referência tem o efeito de defraudar os que ainda esperam encontrar algum vestígio da arte daqueles nomes nos dias de hoje.
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