Coimbra
Investigador em Coimbra explora a relação entre a música e a computação quântica
Omar Costa Hamido, músico e programador autodidata, descobriu a computação quântica um pouco por acaso e encontrou nela possibilidades de a relacionar com a criação musical, trabalho que desenvolve agora na Universidade de Coimbra.
O músico e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) obteve em 2023 uma bolsa europeia de pós-doutoramento Marie Curie para continuar o seu trabalho em que cruza criação e investigação, procurando encontrar as potencialidades no uso da computação quântica como ferramenta para a prática artística.
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A investigação que agora desenvolve na Universidade de Coimbra surge depois de mais de uma década a cruzar os dois campos.
Para Omar Costa Hamido, ou simplesmente OCH como também prefere ser chamado, a computação quântica permite olhar “para a lógica e articulação dos problemas de forma diferente”, acreditando que a própria transformação provocada por esta mudança de perspetiva possa abrir outros caminhos nas práticas artísticas.
Se na computação clássica, um ‘bit’ é 0 ou 1, na computação quântica há o ‘qubit’, que está “num estado complexo” e que tanto pode ser 0, 1, ou 0 e 1 ao mesmo tempo – uma sobreposição de estados.
“Obriga a um repensar da computação desde o início”, nota.
Nesse sentido, desenvolve ferramentas que permitam a músicos e artistas poderem trabalhar e criar música com recurso à computação quântica mesmo que não percebam ou dominem a sua linguagem de programação, naquela que é uma tecnologia nova e longe de estar num estado maduro de desenvolvimento.
“Com 300 ‘qubits’ seria possível representar mais estados do que o número de átomos no universo”, salienta OCH, para demonstrar a potencialidade da computação quântica, explicando que, por enquanto, estes são mecanismos altamente sensíveis, que exigem grandes capacidades de controlo e o seu próprio estado vai decaindo.
Na carreira de Omar Costa Hamido, a computação quântica surgiu por acaso, quando, no mestrado em composição e teoria musical no Porto, procurava perceber se seria possível ter uma peça de música “e obter o equivalente disso na pintura”, inspirado no pintor russo Kandinsky, precursor da abstração e que procurava relacionar as artes visuais e sonoras.
Para a tese que realizou, olhou para o som e imagem “de forma muito microscópica”, como se estivesse a analisar partículas subatómicas de cada um dos elementos, e foi nesse momento que descobriu que a representação que desenvolvia era semelhante à notação de Dirac, utilizada para descrever estados quânticos.
“Percebi que havia algo chamado computação quântica e fiquei fascinado e queria integrar isso na minha prática”, recorda.
Explorou a área, mas “falhou redondamente, porque não tinha ninguém dessa área a quem pedir ajuda”, reconhece.
Nos últimos dez anos, acabou por tornar-se na pessoa a quem precisava de recorrer na altura, depois de conseguir ingressar num doutoramento na Universidade de Irvine, na Califórnia, num programa de composição, improvisação, e tecnologia integradas.
Nos Estados Unidos, estudou computação quântica e teve acesso aos computadores da IBM, conseguindo integrar a comunidade que tem explorado esta computação.
O trabalho final resultou na tese “Adventures in Quantumland”, tendo desenvolvido um conjunto de ferramentas que permitem utilizar computação quântica num ‘software’ muito usado por artistas da música eletrónica, o Max/MSP, fazendo também uma apresentação com um disklavier (um tipo de piano) com notas tocadas a partir de circuitos quantum escritos por OCH.
Apesar do fascínio, o investigador vê na computação e nos computadores, máquinas, ferramentas, tais como os teclados, guitarras ou baterias, que podem ser trabalhados de forma criativa.
Para o artista e investigador natural de Coruche, a interação com este novo paradigma de computação, obriga-o a programar, a pensar e a compor de forma diferente.
No futuro, acredita que a computação quântica, quando estiver estabilizada, poderá também ajudar a analisar e a detetar mudanças rítmicas ou tonais em músicas.
Se há uma parte prática, concreta, de música criada a partir de computação quântica, há também um lado abstrato e teórico que aproxima OCH de todo este processo.
“Aquilo me move não é só contribuir para perceber a vantagem quântica, mas também obter inspiração”, vincou, referindo que há uma vertente do estado quantum que o fascina: a possibilidade de “uma coisa estar em dois lugares ao mesmo tempo”.
Entretanto, já lançou o EP “/Equations of Coltrane”, com outro músico americano que também trabalha a intersecção da música com a computação quântica, Scott Oshiro, num duo intitulado NpHz.
A referência a John Coltrane não cai do céu, já que é conhecido o diagrama do saxofonista norte-americano que explorava a relação entre semitons, com o físico e músico Stephon Alexander a argumentar que o conhecimento do autor de “Giant Steps” da teoria da relatividade e da física permitiu-lhe expandir a sua própria forma de abordar o jazz.
Neste momento, está a criar uma rede de artistas criativos interessados em utilizar estas tecnologias emergentes (https://community.quantumland.art), ao mesmo tempo que procura desenvolver um campo de estudo na área.
No fundo, todo o trabalho de OCH vem da ideia de “perceber o universo e a realidade”, admite.
“Gostava imenso de poder conseguir descrever todo o processo de geração de som, nos seus múltiplos significados. O que é que realmente faz a música existir e o som existir?”, pergunta.
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