Opinião
Início, deixa-te ficar…
Início, fica por aqui; não bazes. Instala-te, bebe um copo e desfruta. Não há pressa… o ano ainda agora começou e contigo tudo parece mais fácil, mais simples e mais belo.
Tu és sempre melhor do que qualquer final. Aliás, és muito melhor. Muito melhor do que os finais e até do que os desenvolvimentos. Por isso, fica por aí. Aproveita e estica-te o máximo que conseguires.
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Não te quero deixar vaidoso, mas tu és mesmo maravilhoso, Início. A melhor das companhias. Desde o começo da vida, enquanto nos transportas na forma de bebés alheados do mundo, aconchegados em fraldas que amparam cocós, concentrados apenas em ser alimentados e mimados, quando uma simples caminhada nossa suscita aplausos e as mais efusivas celebrações. Uma euforia que nunca visitamos no desenvolvimento, na idade adulta, e que, no final, na velhice, facilmente é confundida com uma condescendência geriátrica.
Início, traz-me o prelúdio do amor, quando ainda não existem vícios ou defeitos. Quando até o nervosismo é saboroso e nos bastam os sorrisos rasgados, beijos apaixonados e mensagens dedicadas para descobrir a felicidade do quotidiano. Traz-me essa sensação inaugural, quando acreditamos em amor sem sofrimento e sexo sem proteção. “Ela é amorosa; é claro que não tem hepatite C!”, pensamos. Porra, como é leve a perspetiva das doenças venéreas perante a força curativa do amor. E tudo por tua causa, Início.
Apresenta-me lá outra vez o início do trabalho, o regozijo do primeiro dia no emprego, aquele que nos leva a pensar: “Isto é tão mais compensador do que estudar”. Recupera o momento em que nos dás a conhecer as novas instalações, os novos colegas, os novos processos e ferramentas de trabalho, tudo explicado por uma voz bonita que nos faz crer que a generosidade e a paz de espírito moram em todas as almas que doravante se cruzarão no nosso caminho profissional.
Que saudades, Início, que saudades… que saudades de quando, entusiasticamente, me introduzes a novas séries de televisão, à intensidade dos primeiros episódios que antecipam 457 horas de ficção distribuídas por 14 temporadas. Quando me revelas novas histórias, originais, disruptivas, em que o começo é sempre mais prazeroso do que o final – Game of Thrones, desculpa mas ainda não te consegui perdoar.
E os novos amigos, Início!? Como são bons e infalíveis os novos amigos! Como é divertida a nova amizade, o período em que a tua lente filtra todos os defeitos daquela pessoa extremamente agradável, com os padrões morais e sentido de humor que idealizamos em qualquer ser humano.
Só tu, Início, meu bom companheiro, só mesmo tu para me fazeres olvidar que o fim-de-semana só tem dois dias e que as férias hão-de acabar. Só tu para me espetares um delírio desmedido à sexta-feira, mesmo sabendo que o domingo chegará.
Estou a ficar velho, Início. Talvez por isso, mesmo na alvorada do novo ano, sinto-te já longe, a levar o entusiasmo que a minha esperança reclama, na tentativa vã de não ser chacinada.
Início, sua droga sádica e passageira, besta irresistível, porque desapareces tu, sem aviso prévio ou beijo de despedida? Deixa o fim lá longe e fica mais um pouco. Preciso de ti para gostar de tudo isto, Início.
Opinião | Bernardo Neto Parra
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