Incêndios: Há agricultores que recebem um terço ou um quarto do prejuízo registado
Seis meses depois dos incêndios de outubro de 2017, as histórias dos agricultores são povoadas de desalento e de críticas a um Governo que sentem que os abandonou, com apoios que são um convite para reduzir atividade, parar ou sair.
Há quem tenha já o projeto de agricultura aprovado, mas que vai receber um quarto ou um terço do prejuízo que registou, outros nem tiveram sequer oportunidade de se candidatarem, não recebendo qualquer resposta do Ministério da Agricultura.
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Nas vozes dos agricultores, é raro falar-se em renascimento. Há, acima de tudo, desalento e desconfiança em relação ao futuro. Sentem que os seus projetos de vida estão hipotecados por um Governo que dizem que os abandonou.
Quando o fogo chegou a Vila Cova do Alva, Arganil, a 15 de outubro, só a casa e a pequena queijaria de Natalina Jorge escaparam às chamas.
“Perdi tudo. Tinha tudo, mas perdi tudo”, conta à agência Lusa a mulher de 69 anos, explicando que “tudo” significa o ovil, os barracões e 170 ovelhas e cabras, sem contar com os borregos que tinham já nascido ou estariam para nascer.
Contas feitas, o fogo causou um prejuízo de 200 mil euros a Natalina Jorge, produtora de queijo Serra da Estrela – “purinho, sem água oxigenada nem químicos”, que fazia há mais de 40 anos.
Seis meses depois, já tem a candidatura aprovada, mas ainda não recebeu “um cêntimo” do Ministério da Agricultura.
Por ter de avançar com o dinheiro antes de receber o apoio e por a ajuda do Estado não cobrir 100% da recuperação a partir dos cinco mil euros (até 50 mil euros de prejuízos 85% e acima desse valor 50%), Natalina Jorge fez um candidatura “só até 50 mil euros”.
“Não tinha dinheiro para andar para a frente. Era preciso muito dinheiro”, realçou, considerando que as ajudas só vão dar para refazer o ovil, um barracão e comprar uma máquina ceifeira. O resto, sublinhou, não compra, “que o dinheiro não chega”.
O rebanho passou de 190 para 20. Entretanto, comprou dez, deram-lhe outras dez e está à espera que lhe deem mais 20.
“Além de 60, não quero rebanho maior. Perdi o amor que tinha para ter tantas ovelhas. Perdi-o na altura”, refere.
Hoje, faz “um queijo por dia. O que é um quilo de queijo por dia?”, questiona.
“Eu governava-me com a queijaria. Agora, vão ser tempos muito difíceis, daqui para a frente. Já estou a contar com isso”, frisou.
No concelho vizinho de Oliveira do Hospital, a história repete-se na queijaria de Paulo Rogério.
Aquando do fogo, perdeu 132 animais adultos e 50 borregos, um dos pastores a quem comprava leite perdeu 80 ovelhas e outro 60.
Passou de uma produção de 100 a 120 queijos por dia para 30.
Como prejuízo, declarou “acima de 200 mil euros”, mas, face às exigências dos apoios, apresentou um projeto de recuperação de apenas 108 mil euros para recuperar metade do que tinha perdido.
No entanto, aquando da validação do projeto, os técnicos do Ministério da Agricultura cortaram-lhe o orçamento do projeto para 60 mil euros.
“O Governo tabelou preços de máquinas e animais que são irreais, preços de construção irreais, preços de vedações irreais. Uma motosserra que ardeu custa 700 euros, mas só elege 300. As ovelhas custaram 120 euros, mas só posso eleger 65 euros”, protesta.
Contas feitas, caso queira recuperar parte do que perdeu, vai ter de gastar à mesma 108 mil euros, mas como o projeto está orçado em 60 mil, vai receber apenas pouco mais de 40 mil euros.
“Vou receber menos de 50% do que vou gastar e tenho que ter o dinheiro à frente para trabalhar, à espera de receber. Não sei se vou fazer o projeto. É preciso pensar bem o que se vai fazer”, vincou.
Nos 30 hectares de olival espalhados por Lagares da Beira e Travanca de Lagos, no concelho de Oliveira do Hospital, Luís Miguel de Brito, contabilizou 300 mil euros de prejuízo, entre cinco mil oliveiras – 12 a 13 hectares só de árvores centenárias – e sistema de rega.
Por os apoios serem de 50% para as candidaturas acima de 50 mil euros, o agricultor de 50 anos decidiu apresentar um projeto para recuperar apenas 15 hectares, num investimento total de 120 mil euros.
“A candidatura foi aprovada, mas baixaram-me o valor para cerca de 38 mil euros. Ou seja, vou receber 30 mil euros e pago os restantes oito mil. 38 mil euros nem dá sequer para a preparação do terreno. Eu não sei o que vou fazer. É uma situação perfeitamente trágica”, frisou.
Segundo Luís Miguel de Brito, não teve uma única palavra ou visita de um técnico do Ministério da Agricultura e não apresentaram uma justificação para o corte no orçamento, referindo que em todos os casos de agricultores que conhece com apoios acima de cinco mil euros está a acontecer o mesmo.
“Dá-me sensação que o ministro tem à mesa de cabeceira ‘O Príncipe’, de Maquiavel, e está com vontade de acabar com a agricultura em toda esta região do interior”, asseverou.
Apesar de sentir o peso de poder ter de acabar com a tradição familiar do olival que se perde no tempo, Luís pondera sair da região, que também tem de pensar no futuro dos seus filhos: “Eu não sei se não terá de passar por aí”.
Já Rita Martins, de 41 anos, tem outra história para contar. Mudou-se para Arganil com o marido para ter uma vida mais em comunhão com a natureza.
O incêndio destruiu a casa que estava quase pronta e as dezenas de plantas e árvores que tinham plantado nos últimos anos, onde queriam criar um projeto de autossuficiência e, depois, alargar a atividade para gerar algum rendimento.
Recebeu o apoio para a agricultura até cinco mil euros – abaixo dos prejuízos que tiveram – e ainda hoje está à espera de saber se terá ajuda para a reconstrução da casa.
“Sem esse apoio será muito difícil voltar para aqui nos próximos tempos. É um cenário que me assusta um pouquinho e que me tira um bocadinho o chão debaixo dos pés. Mas não somos pessoas de ficar de braços cruzados a lamentar o infortúnio”, conta, referindo, porém, que sem apoio do Estado “tudo será muito moroso”.
Ao longo do rio Ceira e do rio Alva, por entre pequenas e grandes explorações, as histórias repetem-se de falta de apoio ou de apoio reduzido e de dificuldade em encarar o futuro com a mesma confiança, abalado pelas chamas de outubro que quase tudo consumiram.
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