Economia
Gomes Canotilho diz quem açorianos e madeirenses devem trabalhar 40 horas
O constitucionalista Gomes Canotilho considera, num parecer, que os Açores e a Madeira não têm poderes próprios para recusar a aplicação das 40 horas de trabalho semanal aos funcionários públicos nas regiões autónomas.
A posição do constitucionalista da Universidade de Coimbra consta das “conclusões gerais” de um parecer com data de 04 de setembro, solicitado a José Gomes Canotilho pelo Governo Regional dos Açores, e às quais a Lusa teve hoje acesso.
“Todos os dados indicam que, no caso, estamos ante uma matéria que constitui uma reserva legislativa do Parlamento (da Assembleia da República”, lê-se no parecer assinado por Gomes Canotilho, que tira esta conclusão depois de uma análise a uma série de artigos da Constituição da República Portuguesa e do conteúdo do próprio Decreto 167/XII, a que junta ainda um outro argumento relacionado a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC).
Diz o constitucionalista que “em matérias do mesmo âmbito e provavelmente mais problemáticas do ponto de vista jurídico-constitucional”, a jurisprudência do TC “não apoia, no caso, uma posição favorável à defesa da autonomia legislativa regional para o estabelecimento de um horário normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas diferente do definido” no referido decreto da Assembleia da República (AR).
Canotilho dá como exemplo dois acórdãos do TC, de 2010 e 2011, relativos a uma alteração aos regimes de vinculação de carreiras e remunerações dos trabalhadores da função pública na Madeira.
O professor catedrático refere que a Constituição diz que compete às regiões autónomas legislar nas matérias enunciadas nos seus estatutos político-administrativos e “que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”. No entanto, as regiões também podem legislar em matérias reservadas à Assembleia da República, mas “mediante autorização desta”, assim como “desenvolver, para o âmbito regional, os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam”.
Neste contexto, diz Gomes Canotilho, “não se descortina uma habilitação expressa e específica”, na Constituição ou no estatuto político-administrativo dos Açores, para o Parlamento Regional estabelecer um horário próprio e diferente para a função pública no arquipélago.
Por outro lado, argumenta que o decreto em causa foi aprovado ao abrigo do artigo 165 da Constituição, que dá à AR competência para “fazer leis sobre todas as matérias” salvo as reservadas ao Governo da República, enunciando especificamente as “bases do regime e âmbito da função pública” e os “direitos, liberdades e garantias”.
Também a análise do preâmbulo do próprio decreto leva Gomes Canotilho a concluir no mesmo sentido, sublinhando “os objetivos de caráter nacional visados pelo legislador”. O constitucionalista diz ainda que o decreto refere que foram ouvidos os órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
“Tal denuncia que a participação no processo legislativo das Regiões Autónomas pretendeu ‘consumir’ qualquer liberdade legislativa ‘a posteriori’ para estabelecer regimes diferentes”, lê-se nas conclusões do parecer.
Os sindicatos da função pública têm pedido ao Governo dos Açores para não aumentar o horário dos trabalhadores da administração regional de 35 para 40 horas semanais, tendo o Sintap prometido revelar hoje um parecer jurídico que conclui que a Região tem esse poder.
Já o executivo tem dito que não será “obstáculo” a essa decisão, desde que seja encontrada uma solução legal, embora considere à partida que “há questões de constitucionalidade que impedem que haja uma decisão diferente na região”, segundo afirmou recentemente o presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro.
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