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Geringonça: Contestação dos utilizadores dos transportes públicos intensificou-se nos últimos anos
A contestação dos utilizadores dos transportes públicos urbanos intensificou-se nos últimos anos, numa legislatura marcada, porém, por duas ‘revoluções’ no setor – o programa de passes únicos metropolitanos em Lisboa e Porto e a aprovação da lei das plataformas eletrónicas.
Enaltecido pelo primeiro-ministro socialista, António Costa, como “a maior revolução no transporte público nas áreas metropolitanas desde que os passes sociais foram criados no final dos anos de 1970”, o novo passe único tem apenas dois preços: 30 euros para uso num concelho; 40 euros se envolver a área metropolitana (18 concelhos em Lisboa, 17 no Porto).
A medida, que marcou a legislatura do Governo de coligação PS e BE no que diz respeito aos transportes públicos urbanos, é a concretização de uma ambição de décadas e de sucessivos governos e um dos ‘cavalos de batalha’ do PCP há mais de 20 anos.
Desta forma, acabaram as cerca de 2.000 combinações possíveis do complexo sistema de títulos de transporte que vigorou até 01 de abril deste ano, podendo agora o utente, munido apenas de um título, utilizar os diferentes tipos de transporte: metro, autocarro, comboio ou barco.
No âmbito deste Programa de Apoio à Redução Tarifária – que representa um investimento de 140 milhões de euros, verba consignada no mais recente Orçamento do Estado – também as 21 Comunidades Intermunicipais (CIM), que representam 243 municípios de Portugal continental, aplicam descontos nos transportes públicos.
No entanto, a redução do preço dos passes levou a um aumento significativo da procura nos transportes públicos, que já vinham a somar contestação por parte dos utentes, relativa em grande parte a sucessivos atrasos na rede do Metropolitano de Lisboa e nos autocarros da Carris, que passou a ser gerida pelo município da capital em 2017.
Também a travessia fluvial do Tejo entre Lisboa e o distrito de Setúbal tem sido alvo de muitas queixas por parte dos utentes e também dos trabalhadores da Transtejo e Soflusa, que se encontram atualmente em negociações com a empresa por aumentos salariais.
No final de maio deste ano os problemas com as ligações fluviais chegaram ao ponto de levar utentes a dormir no cais de embarque. A falta de pessoal na Soflusa (que liga o Barreiro a Lisboa) fez os mestres dos navios marcarem sucessivas greves e tem causado variadas perturbações no serviço.
Como o valor dos passes baixou substancialmente, a Fertagus, empresa do comboio da Ponte 25 de Abril, viu aumentar o seu número de passageiros diário, pelo que optou por começar a fazer circular “uma UQE (unidade quádrupla elétrica) com um ‘layout’ interno reformulado” que permitiu ganhar 48 lugares no comboio.
Na prática, foram retirados bancos para caberem mais passageiros, um sistema que está a circular em regime experimental, mas que, “caso responda positivamente”, será alargada a mais comboios.
Por seu turno, a Comboios de Portugal (CP) viu-se forçada a suprimir comboios ou a pô-los a circular com metade da sua capacidade, devido à falta de pessoal da EMEF, empresa da CP que faz a manutenção e reparação das composições.
Também o transporte ferroviário foi alvo de diversas paralisações por parte dos trabalhadores, reivindicando a aplicação dos acordos assinados com o Governo e administrações das empresas.
Em diferentes zonas do país, registaram-se nos anos mais recentes problemas com as ligações ferroviárias, nomeadamente nas linhas do Norte, de Cascais ou do Oeste. Neste último caso, a comissão de utentes defende que, sem eletrificação e um número suficiente de composições para garantir novos horários, a modernização deste eixo ferroviário está posta em causa.
A Comissão Para a Defesa da Linha do Oeste exige ainda a abertura da estação de São Martinho do Porto, no concelho de Alcobaça, e a reposição dos comboios de verão, para que não regressem os autocarros como opção de trajeto nas ligações a norte e a sul de São Martinho do Porto.
Em 31 de maio deste ano, o Governo, através do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, pediu desculpa aos utentes afetados pela supressão dos transportes públicos urbanos e suburbanos, admitindo que no caso da CP as “reservas são insuficientes” em algumas linhas.
“Há poucos comboios de substituição prontos a entrar quando há falhas”, bem como “material circulante envelhecido” que “precisa de paragens maiores de manutenção e de reparação”, frisou o ministro.
No início deste ano, foi lançado o primeiro concurso para as obras do Sistema de Mobilidade do Mondego. O projeto prevê a instalação de autocarros elétricos (metrobus) entre Serpins (Lousã) e Coimbra B, com uma linha urbana até ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), numa extensão total de 42 quilómetros e um investimento estimado de 125 milhões de euros.
O Governo sublinhou que esta solução com autocarros elétricos é mais eficiente e tem em conta a descarbonização, enquanto a ferrovia pesada – esperada pelas populações de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã há mais de 20 anos – “já não servia a população”.
Prevê-se que o sistema de transportes comece a funcionar de forma faseada a partir de 2021.
Já noutro âmbito, a aprovação da chamada ‘lei Uber’, que regula a atividade do transporte de passageiros em veículo descaracterizado a partir de plataformas eletrónicas, foi igualmente um dos marcos da legislatura do atual Governo, tornando a legislação portuguesa numa das primeiros do género a nível mundial.
Esta lei entrou em vigor em 01 de novembro de 2018, depois de longos meses de discussão parlamentar e da contestação do setor do táxi, tendo vários itens da lei ficado com um período de adaptação, que terminou em março deste ano.
Devido a esta nova regulamentação, o setor do táxi fez quatro grandes protestos, o primeiro em 2015, tentando impedir a atuação das plataformas. No quarto protesto, os profissionais pararam entre 19 e 26 de setembro de 2018 contra a entrada em vigor desta lei, reclamando que as plataformas deveriam ser sujeitas igualmente a contingentes, como o seu setor.
Ao fim de oito dias parados nas cidades de Lisboa, Porto e Faro, as associações representativas do setor do táxi decidiram desmobilizar, depois de o PS se disponibilizar para propor a transferência da regulação do número de carros ao serviço das plataformas para as autarquias.
Um fenómeno da mobilidade urbana que começou em Lisboa no final de setembro de 2018, e que já se estendeu a várias cidades, foi a introdução das trotinetes como meio de transporte, que se juntaram aos serviços – muito deles públicos – de aluguer de bicicletas.
Atualmente, pelo menos nove cidades e vilas portuguesas têm serviços privados de aluguer de trotinetes, levantando a discussão em torno do seu impacto na circulação nos passeios e do vandalismo. Apesar das críticas, a adesão é significativa.
Rosa Cotter Paiva | Lusa
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