Políticos
Freitas do Amaral: o “senador” que foi quase tudo menos aquilo que mais ambicionou
Líder do CDS, primeiro-ministro interino, ministro em governos à esquerda e à direita, presidente da Assembleia-Geral da ONU, Freitas do Amaral foi quase tudo na política portuguesa menos aquilo que mais ambicionou: chegar ao topo da hierarquia da nação.
Apesar de derrotado por Mário Soares na segunda volta das presidenciais de 1986, por uma diferença de menos de 150 mil votos (48,8% – 51,2%), esta eleição marca definitivamente a carreira política de Diogo Pinto Freitas do Amaral, professor universitário nascido na Póvoa de Varzim em 21 de julho de 1941.
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O fundador e presidente dos democratas-cristãos ganha a primeira volta com 46,3% e abre uma janela de otimismo entre os eleitores do então PPD-PSD e do CDS, que votam maciçamente na candidatura “Pra Frente Portugal”.
Só que Mário Soares, que partira nas sondagens com pouco mais de 8%, alcança 25,4% à primeira volta, mais do que Salgado Zenha ou Maria de Lourdes Pintasilgo, e parte para a segunda com a difícil missão de unir toda a esquerda, desde logo obrigado a captar o voto dos desconfiados apoiantes do PCP.
Freitas do Amaral falha a eleição, mas o “senador” ganha peso na vida política portuguesa e os seus apoios passam a ser disputados pelas elites, sobretudo após a sua saída do CDS em 1992 em rutura com o caminho antifederalista do partido então liderado por Manuel Monteiro.
O próprio Freitas reconheceu, em entrevista à agência Lusa quando já se encontrava doente, em junho de 2019, que sofreu “um bocado” com a derrota nas presidenciais de 1986, embora tenha conseguido dar a volta com “uma carreira de um tipo diferente” e partir para “uma série de pequenas vitórias”, embora não tão grandes.
Para trás, ficaram as dívidas da campanha presidencial, que o obrigaram a dar pareceres jurídicos para pagar, depois de o PSD de Cavaco Silva ter rejeitado juntar-se ao CDS nesse esforço financeiro.
Outro dos momentos marcantes do percurso político de Freitas do Amaral foi a entrada para o primeiro governo socialista de José Sócrates como ministro dos Negócios Estrangeiros, que viria a selar o divórcio com a sua família política, à direita, em Portugal e na Europa e a conduzir ao fim da sua carreira nos órgãos da administração.
Embora tenha permanecido menos de dois anos no governo de Sócrates (2005-2006), o “casamento” com os socialistas levou à sua suspensão do Partido Popular Europeu (PPE). Antes que a suspensão fosse oficializada, em abril de 2005, Freitas saiu pelo seu próprio pé, não sem antes lembrar ao então líder da sua família europeia, Wilfred Martens, que “a colaboração de um democrata-cristão (independente) com um partido socialista nada tem de extraordinário”.
E como “um dissabor nunca vem só”, o CDS de Paulo Portas decidiu retirar o retrato do fundador da galeria de fotos reunida no átrio de entrada da sua sede nacional, no Largo Adelino Amaro da Costa (ou do Caldas, como é normalmente designado) e enviá-lo para o ‘quartel-general’ do PS, no Largo do Rato.
Freitas do Amaral viria a admitir, no último dos seus três livros de memórias, que a direita ficou zangada consigo.
“Como podia um símbolo destes – um representante, um valor político, um património histórico do centro e da direita, unidos contra toda a esquerda – mudar de campo e aceitar ser ministro de um governo do PS”, escreveu no livro, acrescentando: “A direita portuguesa não aceitou. Ela achava que eu passara a ser propriedade sua, e só podia fazer o que fosse do seu agrado. A minha liberdade política, que incluía aliar-me com quem quisesse, devia ter ficado limitada pela propriedade política que a direita se arrogava sobre mim. Aliás, a direita costuma dar mais importância à propriedade do que à liberdade…”
Mas Sócrates também ficou “desiludido” por ter decidido abandonar o Governo “ pelo próprio pé” ao fim de 15 meses, e “apenas por razões de saúde”, e com os dois campos do espectro político zangados, foi obrigado a terminar a carreira de homem público.
“Apesar de múltiplos serviços prestados ao país durante mais de três décadas, fiquei sozinho. Nunca mais fui convidado, seriamente, para qualquer cargo público ou privado, de 2006 até hoje. Puro ‘ostracismo'”,sublinha no seu último livro de memórias.
Freitas do Amaral foi também o primeiro português a presidir à Assembleia-Geral das Nações Unidas, cargo que ocupou entre 1995 e 1996, gerando manifestações de congratulação em diversos quadrantes políticos.
Internamente, chegou a ocupar interinamente, durante um mês, a chefia do Governo após a morte do então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, em 04 de dezembro de 1980 e até 09 de janeiro do ano seguinte.
Em 1979, Freitas forma a Aliança Democrática (AD) com os líderes do então Partido Popular Democrático (PPD), Sá Carneiro, e Partido Popular Monárquico (PPM), Gonçalo Ribeiro Telles.
A AD viria a alcançar a maioria absoluta nas legislativas de dezembro de 1979 com 45% e Freitas do Amaral integra o executivo liderado por Sá Carneiro como vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sá Carneiro morre no desastre aéreo de Camarate, em 04 de dezembro de 1980, e Freitas assume interinamente a chefia do Governo. Foi, aliás, a ele que lhe coube a tarefa de anunciar na RTP a queda da avioneta em Camarate e a morte de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa, seu vice-presidente no CDS e então ministro da Defesa.
Voltou a ser o número dois do Governo, novamente como vice-PM e ministro da Defesa, entre 1981 e 1983, após nova maioria absoluta da AD, então liderada por Francisco Pinto Balsemão.
Sobre Camarate, e quando no parlamento se sucediam inquéritos parlamentares para apurar as circunstâncias da queda do aparelho, Freitas do Amaral admitiu a tese do atentado, não dirigido a Sá Carneiro, mas a Amaro da Costa, que estaria a investigação um “saco azul” criado no tempo da ditadura, denominado Fundo de Defesa do Ultramar, através do qual continuariam a ser movimentadas elevados montantes em dinheiro.
Com apenas 32 anos, Diogo Freitas do Amaral funda o CDS em 19 de julho de 1974 juntamente com figuras como Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta, Vítor Sá Machado, Xavier Pintado, João Morais Leitão ou João Porto.
Defensor de uma democracia-cristão de matriz europeia, tendo mesmo sido presidente da União Europeia das Democracias Cristãs (1981-1983), foi eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1975, mas o CDS viria a ser o único partido a votar contra a Constituição aprovada no ano seguinte por todos os outros partidos representados, contestando o caminho para o socialismo preconizado no texto fundamental.
Foi depois eleito sucessivamente deputado à Assembleia da República entre 1976 e 1983 e de 1992 a 1993. Após o seu divórcio com o CDS, em 1992, passou a deputado independente.
Apesar das raízes no norte, Freitas do Amaral terminou os estudos secundários no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, entrando depois para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde viria a licenciar-se em direito em 1963.
Aluno do ex-presidente do Conselho da ditadura Marcello Caetano, especializou-se em Direito Administrativo e obteve o grau de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas em 1967 com a tese “a execução das sentenças dos tribunais administrativos”.
Tornou-se catedrático em 1984 tendo cumprido cinco mandatos como presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa.
Foi ainda autor de vários livros de política, ficção ou biográficos. Além das suas memórias em três volumes, escreveu uma biografia de D. Afonso Henriques e uma peça de teatro sobre Viriato, o pai da Lusitânia.
Quanto às suas convicções e oscilações políticas, da direita para a esquerda, Freitas do Amaral justificou que foram sempre feitas no “quadro amplo” da democracia-cristã, num percurso que “foi singular” mas sem se afastar da matriz centrista de sempre.
“Houve uma primeira fase em que, com o país demasiado virado à esquerda, acentuei sobretudo valores de direita. E uma segunda fase em que, julgando eu que o país estava demasiado virado à direita, acentuei sobretudo valores de esquerda. Sempre no quadro amplo, vasto e profundo da democracia-cristã”, afirmou, durante a apresentação do seu último livro de memória.
Mas a frase mais marcante será talvez aquela com que concluiu, nesse livro, um dos capítulos dedicados ao final do seu percurso político: “Tenho de reconhecer que é impossível a um centrista ter êxito num país onde praticamente não há centristas”.
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