Opinião

Fontes que nunca secam

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 12 meses atrás em 09-12-2023

Fonte do governo. Fonte da presidência. Fonte do grupo parlamentar. Fonte do sindicato. Fonte da ordem. Fonte da comissão. Fonte da candidatura. Fonte do gabinete. Fonte da organização. Fonte judicial. Fonte policial. Fonte militar. Fonte hospitalar. Fonte dos bombeiros. Fonte da câmara. Fonte da embaixada. Fonte da empresa. Fonte da administração. Fonte do aeroporto. Fonte do clube. Fonte da família. 

Fonte próxima. Fonte ligada ao processo. Fonte oficial. Fonte bem informada. Fonte a par do assunto. Fonte envolvida. Fonte escutada pelo nosso jornal. Fonte contactada pelo nosso canal. Fonte consultada pela nossa estação.

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As expressões acima transcritas foram retiradas de notícias publicadas por órgãos de comunicação social portugueses nas últimas semanas. A seguinte é do Código Deontológico dos Jornalistas: O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. Um pouco mais à frente no mesmo ponto, pode também ler-se: As opiniões devem ser sempre atribuídas. Estão a ver onde quero chegar?

No maravilhoso mundo das fontes não identificadas, pede-se ao consumidor da informação o mesmo que se pede ao leitor de um horóscopo: que acredite, mesmo que provavelmente seja tudo uma invenção. Porque se Saturno estiver na Casa 1, ou se a fonte não nomeada garantir, então é porque é verdade.

A confiança numa notícia pejada de fontes cuja identidade desconhecemos – a menos que haja motivos fortes para esse facto, como a sua segurança – não é maior do que a confiança numa previsão meteorológica feita por um gato. Infelizmente, os conteúdos jornalísticos são cada vez mais uma parada de citações e declarações de figuras sombrias (porque permanecem escondidas no escuro), sussurrando segredos nos becos mal iluminados da realidade. Mas porque não havemos de confiar cegamente em figuras sombrias, certo?

Neste espetáculo de sombras e segredos, as fontes não identificadas acabaram por provocar uma revolução na forma como consumimos a informação e, por consequência, na credibilidade dos próprios jornalistas. Se a origem de uma notícia deixa de ser relevante, se nada sabemos sobre as motivações de quem a alimenta e se é suposto e normal nada sabermos, porque havemos de questionar o que quer que seja que se assemelhe a um conteúdo noticioso? Afinal, a credibilidade é um conceito antiquado e, com toda a sinceridade, bastante enfadonho quando podemos antes ter a emoção da intriga. Nunca deixes um pormenor estragar uma boa história, certo? E o que são a credibilidade e a transparência se não pormenores?

Já é possível ouvir os violinos: abrace a nova era do anonimato, onde não saber é o padrão da autenticidade!

Mas é a liberdade de imprensa compatível com este cenário? Sobreviverá ela ao triunfo da especulação e da conjetura como bases sólidas da verdade? Depois de mergulharmos de cabeça nas águas turvas das fontes não identificadas, conseguiremos ainda voltar à superfície. No fundo desse poço, haverá ainda imprensa, haverá ainda jornalismo?

Mas detestaria terminar este texto numa nota negativa. Talvez possamos encarar tudo isto na perspetiva do copo meio cheio, como uma fuga emocionante à monotonia da verdade. Quem precisa de saber tudo quando podemos viver a emoção de não saber nada, muito menos o que nos escondem? Afinal, a verdade é muito provavelmente sobrevalorizada, portanto, celebremos a incerteza como nova certeza e a realidade como um conceito flexível, permanentemente reconstruído por atores que desconhecemos. O que pode correr mal?

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Opinião de Pedro Santos | Consultor de comunicação

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